Coimbra eu e o Futuro
Não sei que futuro me
espera em Coimbra. No entanto, ainda que passem anos, as memórias são
concretas. Passeio por elas como aqueles que, neste momento, de montra em
montra, atravessam a Rua Ferreira Borges. Quer sigam na direção do Largo da
Portagem ou da Rua da Sofia, é quase certo que vão debaixo de claridade limpa.
É sempre assim que recordo Coimbra.
Quando o meu pai estacionou
o carro na universidade, eu tinha doze anos e, também então, não sabia que
futuro me esperava em Coimbra. Dessa viagem, lembro o assombro perante a
Biblioteca Joanina e, com a ajuda de uma fotografia que está na casa da minha
mãe, lembro a pose que fizemos diante das Escadas Monumentais: os meus pais com
penteados que nunca mais voltaram a ter, as minhas irmãs a serem umas
raparigas, eu de calções e sandálias.
Mais tarde, havia de passar
muitas vezes por essas escadas. Com vinte e poucos anos, não me cansava a
subi-las. À noite, ia aos concertos na Cave das Químicas ou a outros lugares
cheios de estudantes, pouco mais novos do que eu. Sem ser estudante, ninguém me
pedia cartão nas muitas vezes em que decidia jantar na cantina amarela. De
manhã, comprava o Diário de Coimbra e tomava o pequeno-almoço na Pastelaria
Vénus, em Celas. Logo a seguir, com o autorrádio sintonizado na Rádio
Universitária de Coimbra, conduzia até ao início da Estrada da Beira e, depois,
ida e volta entre Coimbra e Lousã, onde era o professor mais novo da escola.
Esse foi o ano em que o meu
filho mais velho nasceu. Deixei uma aula a meio e não senti o caminho até à
Maternidade Daniel de Matos. Assisti ao parto. Nasceu às nove da noite de um
dia de fevereiro que só poderei esquecer quando tiver esquecido tudo o que
existe.
Não é difícil comparar a
passagem do tempo ao Mondego. Nas suas margens, o meu filho cresceu, longas
tardes de domingos no parque infantil. Mas a memória não partilha dessa
serenidade. A memória é muito mais desordenada do que o tempo, muito mais
selvagem. Talvez por isso, as margens do Mondego também são a farra da Queima
das Fitas, o silêncio absoluto do Choupal ou a inocência do Portugal dos
Pequenitos, a caminho do Convento de Santa Clara.
Por falar no Convento de
Santa Clara, quando me sentava lá em cima, com os pés pendurados sobre a
paisagem, assistindo à progressão da luz na torre da universidade, não sabia
que futuro me esperava em Coimbra.
No ano passado, ao chegar
ao Café Santa Cruz para apresentar um dos meus livros, sabia bem que, antes,
não poderia sequer imaginar que algum dia teria livros escritos, menos ainda
que iria falar sobre eles no sumptuoso Café Santa Cruz. Além disso, entre os
rostos: o meu filho quase adulto, antigos colegas da escola da Lousã, antigos
vizinhos de Celas e amigos com quem pintava paredes da cidade contra isto e
contra aquilo.
O meu passado em Coimbra
ainda não acabou, está todo aqui. Além disso, existe também todo um futuro que
me espera. Neste momento, não sei como será. Sei que vou ao seu encontro, essa
certeza é tudo o que preciso.