segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Diana




Diana


Querida filha:

Há um ano iniciaste a viagem da eternidade com a serenidade e a dignidade com que viveste.
            Inesperadamente, aconteceu na minha vida aquilo que eu, teoricamente, mais temia: perder um dos filhos. Dissera eu, quinze dias antes, numa turma que “seria a única coisa que não aguentaria”.
            E hoje aqui estou! Sofredora, mas de cabeça levantada, como tu sempre quiseste.
            Tenho muitas saudades da nossa amizade, da nossa cumplicidade, do teu lado sorridente, crítico e humano.
            Choro por ti todos os dias, Diana. Espalhei a tua imagem por cada um dos compartimentos da nossa casa. 
Um pintor croata imortalizou o teu sorriso num quadro que me acorda todas as manhãs.
            Recordo-te com orgulho em sentir o quanto me admiravas. Por isso, hoje, um ano depois (e porque só agora me é possível fazê-lo) quero agradecer a todos aqueles que me ajudaram a viver este ano: aos meus alunos e aos seus pais, aos meus amigos e colegas, a toda a minha escola, às meninas da universidade, às pessoas que com um olhar, gesto ou palavras sentiram o meu sofrimento e às mães de Arouca que já passaram a dor sentida da perda.
            Um dia antes de partires, disseste-me: “Estás a olhar muito bem por mim, um dia também vou olhar assim por ti”.
            Que, no céu, também tu possas continuar com o sorriso aberto sobre todos nós.

                                                                                                        Mãe
                                                                                              Afonso e João 


 A todos...

Há um ano enviei um anjo para o céu.
Obrigado por me ajudarem nesta reaprendizagem pela vida.
Um abraço com um nome – Diana.


Mãe




Fim do Ano



2013


2013 é apenas um ano mais que se vai, apressadamente, evaporando no tempo!
Feito de instantes, alguns deles demasiadamente incompletos e amargos que, nem assim, conseguiram levar os dias de momentos bons com abraços fusionais que transbordavam cumplicidades fortificantes da existência, jà de si tão incompleta!

Esperei e so senti partidas injustificadamente dolorosas! 

Daquelas que deixam o corpo e a alma vazia porque àvida de um sorriso, de um abraço, um simples olhar, um silêncio daqueles que enche o instante de conforto, de calor e de mistério fertil da duvida!

Partiste! E eu, na minha in-merecida solidão, enriquecida de memorias, mantenho a esperança esperançada do encontro, nem que seja um olhar silenciosamente distante ...

No entanto, o que eu queria mesmo...



Wish You Were Here - Pink Floyd


So, so you think you can tell
Heaven from hell
Blue skies from pain
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?
Did they get you to trade
Your heroes for ghosts?
Hot ashes for trees?                                                        
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
Did you exchange
A walk on part in the war
For a lead role in a cage?
How I wish
How I wish you were here
We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl
Year after year

Running over the same old ground
What have we found?
The same old fears
Wish you were here
Queria Que Você Estivesse Aqui
Então, então você acha que consegue diferenciar
O paraíso do inferno
Céus azuis da dor?
Foto de João Martins
Você consegue diferenciar um campo verde
De um frio trilho de aço?
Um sorriso de uma máscara?
Você acha que consegue diferenciar?

Eles fizeram você trocar
Seus heróis por fantasmas?
Cinzas quentes por árvores?
Ar quente por uma brisa?
O conforto do frio pela mudança?
Você trocou
Um papel figurante numa guerra
Por um papel principal numa cela?

Como eu queria
Como eu queria que você estivesse aqui
Somos apenas duas almas perdidas
Nadando em um aquário
Ano após ano
Correndo sobre este mesmo velho chão
O que encontramos?
Os mesmos velhos medos
Queria que você estivesse aqui

Lola

domingo, 29 de dezembro de 2013

Ano Novo




O que significa passar de um ano para o novo ano?

O que se torna novo, nos ou o tempo?

Serà um ano a mais nas nossas vidas ou nas oportunidades?



Para mim...



Poderia ser deste modo...




... mas vai ser assim!


Lola

Felicidade




Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário. 
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas. 
Se achar que precisa voltar, volte! 
Se perceber que precisa seguir, siga! 
Se estiver tudo errado, comece novamente. 
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a. 
Se perder um amor, não se perca! 

Se o achar, segure-o!


Fernando Pessoa


Para ouvir:





Para (re)ver:


Filme: Em busca da Felicidade





Se estou só, quero não estar,
Se não estou, quero estar só,
Enfim, quero sempre estar
Da maneira que não estou.
Ser feliz é ser aquele.
E aquele não é feliz,
Porque pensa dentro dele
E não dentro do que eu quis.
A gente faz o que quer
Daquilo que não é nada,
Mas falha se o não fizer,
Fica perdido na estrada.

Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. 







Lola

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Fernando Pessoa


















Olhando o mar, sonho sem ter de quê



Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?

Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.

As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, 'star em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta.

Se tive amores? Já não sei se os tive.
Quem ontem fui já hoje em mim não vive.
Bebe, que tudo é líquido e embriaga,
E a vida morre enquanto o ser revive.

Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser
Motivos coloridos de morrer?
Mas colhe rosas. Porque não colhê-las
Se te agrada e tudo é deixar de o haver?

Fernando Pessoa
Lola

Fernando Pessoa





Tenho uma Grande Constipação

Tenho uma grande constipaçãoE toda a gente sabe como as grandes constipações Alteram todo o sistema do universo, 
Zangam-nos contra a vida, 
E fazem espirrar até à metafísica. 
Tenho o dia perdido cheio de me assoar. 
Dói-me a cabeça indistintamente. 
Triste condição para um poeta menor! 
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor. 
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se. 

Adeus para sempre, rainha das fadas! 
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando. 
Não estarei bem se não me deitar na cama. 
Nunca estive bem senão deitando-me no universo. 

Excusez un peu... Que grande constipação física! 
Preciso de verdade e da aspirina. 
Alvaro de Campos










Lola 

Fernando Pessoa



Foto de Armando Aguiar

Dobrada à moda do Porto 
·        

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,

E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.


 Fernando Pessoa






Lola

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Fernando Pessoa



Aniversário
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
A que distância!…
(Nem o acho…)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes…
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim…
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Fernando Pessoa





Lola

Fernando Pessoa



Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.

Fernando Pessoa


Lola

Fernando Pessoa



Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa





terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Fernando Pessoa


Ode marítima
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos.
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.
Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.
Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É – sinto-o em mim como o meu sangue -
Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas
Que perturbam em mim quem eu fui…
Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve com uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.
Fernando Pessoa

Lola

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Momento


MOMENTO

Aquele dia acordara soalheiro! 
Era, mais uma vez, de rotina matinal, porem a tarde revelava-se, para Rita e Pedro, uma sequência de momentos diferentes dado que iriam a uma conferência da empresa onde trabalhavam hà vàrios anos.
Eram amigos, demasiadamente amigos! De uma relação genuina, com respeito de olhares e interpretação de gestos desinteressados mas sem serem, de modo algum,  desinteressantes!
Rita tivera uma vida amarga de saudade em perdas irreparaveis, vivera momentos de violência em palavras rudes e gritos estridentes que de tão inesperadamente fortes tinham deixado marcas na alma de quem apenas gostava de paz e sorria a momentos de serenidade que cada vez mais iam rareando na sua vida desejavelmente pacata e sem sobressaltos.
De Pedro pouco sabia mas também era o que menos a perturbava. Bastava-lhe saber que em determinados momentos ele estava ali num apoio incondicional, por vezes, silencioso, mas que engrandecia a força que Rita nunca encontrara em ninguém!
Lembrava-se, perfeitamente, do primeiro dia que o vira entrar pela porta da empresa com ar de insegurança face a um mundo diferente, longinquo e desamparado! Notara-o porque teriam de partilhar a mesma secção da empresa que ela chefiava e isso obrigaria a contactos permanentes em termos profissionais!
Um dia coincidiram num momento de pausa para almoço e falaram de aspectos da vida pessoal sem limitações de linguagem ou de expressão de afectos, alguns jà dolorosamente passados e parcialmente apagados!
A partir dai não mais voltaram a esse quadro de vida passada e presente o que de certo modo elevava uma relação interessante mas totalmente impossivel de adjectivar com palavras fixas, seguras e limitadas!
O dia manteve-se soalheiro e...
... foi sorrindo ainda mais quando, no inicio da tarde, juntos, partiram para a reunião profissional que demoraria um percurso de conversa espontânea, variada, animada, cumplice e verdadeiramente envolta em improvisos e gargalhadas.
Rita sentia-se profunda e delicadamente liberta de uma pressão que tanto a sufocara  em amarras que ela propria, no seu intimo, nunca aceitara e que, por isso mesmo, se pintaram, muitas vezes,  em làgrimas de um amargo incolor. 
Naquele dia era diferente!
Sentia-se segura, apoiada, comoda e serenamente acompanhada num diàlogo que hà muito se notava ter mais de comum que de distancia  em relação ao mundo e à vida.
Quase sem dar por isso chegaram ao espaço reservado e ali mesmo, passadas as formalidades inevitaveis, pousaram demoradamente o olhar e estenderam o momento pela paisagem num cigarro que se tornou a unica testemunha de uma tarde agradavel e que deslizava delicadamente pelos recantos do espaço sumptuosamente decorado e magestosamente localizado na colina do casario que se deitava, mesmo ali à sua frente!
 E porque o momento convidava, antes mesmo do evento profissional, afinal o unico objectivo deste percurso alegremente partilhado numa cumplicidade invulgar, Rita e Pedro tomaram um "drink" não desistindo de continuar a conversa agradavel e do olhar comprometido com a envolvência que descia de modo geometricamente equilibrado até ao rio da parte velha da cidade!
Momento a momento o tempo foi deslizando num regresso agradavelmente partilhado em dialogo de palavras abertas e fluidas, saltitando de tema em tema como que se não houvera outro momento tão prazeroso!
Chegados, Rita deu um beijo a Pedro e agradeceu os momentos continuados de uma 
serenidade hà muito arredada da sua vida.
Para Pedro este teria sido, provavelmente, apenas mais um dia, mas isso, para ela, não  fazia diminuir a solenidade e elevação de estar com uma pessoa interessante, integra e serenamente maravilhosa! E isso, sim, era demasiadamente importante para que Rita procurasse  ler sentires e pensares que não o seu!
Por isso...
... quando a viagem parou devagarinho, Rita não olhou para tràs e caminhou apressadamente como que ainda perseguida pela temerosa intranquilidade  de tantos anos!
Pedro fez a viagem de regresso... 
... e a cidade, là longe, adormecia suave e delicadamente sem saber ter sido, nesse dia, a  anfitriã privilegiada de um dos momentos mais doces e suaves da vida de Rita!




Nessa noite, 
Rita adormeceu abraçada a esta balada... 
Ao fundo do quarto um guarda chuva amarelo teimava em desiquilibrar-se e na mesinha redonda, mesmo ao lado da sua cama, um sabonete cuidadosamente  embrulhado em papel colorido  olhava-a num cheirinho a PHILOSOPHIA!

Sorriu... 

Era mesmo  feliz!...







                                          Lola