sexta-feira, 25 de julho de 2014

Saudade






SAUDADE 



Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés







Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono

MIA COUTO




                                           Lola


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Sonhei-te de madrugada




Sonhei-te de madrugada!

Sonhei contigo e 
fiquei envolvida num abraço de ternura 
pelas recordações de momentos 
de outro modo improvàveis!
As mãos fundiram-se 
e a areia quente 
não conseguiu afastà-las!
Quando acordei 
estava com um balão de ar quente
 dentro de mim...
as mãos permaneciam enlaçadas
 pelo sorriso da vivência
 docemente sonhada
junto ao mar
infinitamente nosso!



"Eu nunca fiz senão sonhar. 
Tem sido esse, e esse apenas, o sentido da minha vida. Nunca tive outra preocupação verdadeira senão a minha vida interior. As maiores dores da minha vida esbatem-se-me quando, abrindo a janela para dentro de mim pude esquecer-me na visão do seu movimento.
Nunca pretendi ser senão um sonhador. A quem me falou de viver nunca prestei atenção. Pertenci sempre ao que não está onde estou e ao que nunca pude ser. Tudo o que não é meu, por baixo que seja, teve sempre poesia para mim. Nunca amei senão coisa nenhuma. Nunca desejei senão o que nem podia imaginar. À vida nunca pedi senão que passasse por mim sem que eu a sentisse. 
Do amor apenas exigi que nunca deixasse de ser um sonho longínquo. Nas minhas próprias paisagens interiores, irreais todas elas, foi sempre o longínquo que me atraiu, e os aquedutos que se esfumam — quase na distância das minhas paisagens sonhadas, tinham uma doçura de sonho em relação às outras partes de paisagem — uma doçura que fazia com que eu as pudesse amar."

Bernardo Soares, Livro de desassossego





E depois...
abri a janela do quarto que dava para o mar,
senti-te num aroma a maresia perfumada
em instantes vividos junto ao mar
de mãos ainda 
entrelaçadas pela areia
num olhar prolongado pela linha do horizonte!
e sorri...
teria dado metade de mim para te ver chegar, 
sorrindo numa imagem enrolada nas ondas do mar sereno!
Tem de ser a utopia do encontro....
continuas docemente longinquo....
Para quando o sonho num encontro azul 
de espera esperançada?




                                            Lola


sexta-feira, 11 de julho de 2014

Dia perfeito






Dia perfeito


Seria aquele 
em que
estariamos serenamente a conversar
olhando os teus olhos de mistério
envolvendo os gestos da distancia 
e os momentos de solidão
compreender silêncios de vazio
e perfurar esse eu de doce palavra
de sabor a maresia
de olhar distante
de 
um abraço que se quer 
se beija no horizonte da saudade
de luz e mar!



Seria o momento 
em que a areia triste pelo vazio que somos
brilharia no encontro com o sol 
toldando o sabor da maresia nos corpos
e se estenderia o dia pelo anoitecer
tranquila e deliberadamente esquecido 
por cada um de nos!




                                            Lola

Amor e utopia



Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.

Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.
Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido....Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem.

A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.

Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.

A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira.

E valê-la também.


Miguel Esteves Cardoso, in Chiado Magazine, 
11 de Julho de 2014

Porquê?


O castanho dos teus olhos

 é mais atlântico 

que o azul do mar!

Não concordas comigo,

 my Dear?




                                            Lola

sábado, 5 de julho de 2014

Sophia e o Mar





Sophia e o Mar



O amor de Sophia pelo mar da Granja




O mar é um elemento simbólico de grande importância em toda a obra poética de Sophia de Mello Breyner Andresen. 

Durante a infância e a juventude era comum vê-la com a família pelas praias da Granja, em Vila Nova de Gaia, onde passou muitas férias de verão. 

A RTP foi ao encontro desses lugares por onde a poetisa passou.


                                                                                     Pedro Oliveira Pinto/ Manuel Salselas/ Virgílio Matos/ Paulo Guimarães

02 Jul, 2014, 14:27 / atualizado em 02 Jul, 2014, 14:32





A poesia está na rua

Detentora de vários galardões literários e condecorada três vezes pela República Portuguesa, a poesia de Sophia situa-se entre uma sensibilidade estética espiritual e uma poesia social, de denúncia a qualquer tipo de ataque à dignidade humana (cujo estilo se acentuou durante o período que antecedeu o 25 de abril de 1974).

 "Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo", escreveu sobre esse dia de abril.

Ainda agora, a intervenção de Sophia subsiste. Exemplo disso é a presença da frase por ela escrita "a poesia está na rua", outrora presente no emblemático quadro da pintora Vieira da Silva e imortalizada hoje pelas várias paredes dos bairros lisboetas.









Também o mar - há muito desbravado - foi das temáticas mais presentes na sua obra poética, cuja "escrita é de nau e singradura". Tanto é que o Oceanário de Lisboa expõe os seus poemas em zonas de descanso da exposição, permitindo aos visitantes absorverem esse mar enaltecido por "Sophia como quem procura a ilha sempre mais ao sul", escreveu Manuel Alegre num poema de homenagem.


SOPHIA

Da lusitana antiga fidalguia
Um dizer claro e justo e franco
Uma concreta e certa geometria
Uma estética do branco
Debruado de azul.
Sua escrita é nau e singradura
E há nela o mar o mapa a maravilha.
Sophia lê-se como quem procura
A ilha sempre mais ao sul.




Manuel Alegre


Foi no dia 2 de julho de 2004 que morreu na sua residência, em Lisboa, aos 84 anos. Sophia de Mello Breyner Andresen deixa editada uma vasta obra de poesia, antologia, prosa, ensaios e teatro. Casada com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares e mãe de cinco filhos, entre eles o jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares, Sophia de Mello Breyner permanece como uma poetisa intemporal, humana, uma poetisa do e para o povo.





Sophia de Mello Breyner Andresen

Uma atenção tão concentrada que /
parece distracção ou mesmo ausência./
Navegação abstracta e a urgência de /
conjugar o concreto e a imanência./

Ela colhe no ar a maravilha /
depois diz a safira o mar a duna /
procura o oriente o azul a ilha /
e seu canto a reúne: única e una./

E por isso o seu gesto é como asa /
onde há a Koré grega e a grafia /
de quem junta os sinais e os sons dispersos./

E o seu poema é quase como casa /
e a casa é o outro espaço onde Sophia /
reparte à sua mesa o pão e os versos./


01-07-2014 Manuel Alegre

" A poesia não se explica, a poesia implica" - Sophia de Mello Breyner Andresen

“Foi no mar que aprendi” 

Foi no mar que aprendi o gosto da forma bela 
Ao olhar sem fim o sucessivo 
Inchar e desabar da vaga 
A bela curva luzidia do seu dorso 
O longo espraiar das mãos da espuma 

 Por isso nos museus da Grécia antiga 
Olhando estátuas frisos e colunas 
Sempre me aclaro mais leve e mais viva 
E respiro melhor como na praia.
O Búzio de Cós e outros poemas, Caminho 


                                        Lola