sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Meu amor





MEU AMOR


Meu amor meu amor
meu corpo em movimento
minha voz à procura
do seu próprio lamento.

Meu limão de amargura meu punhal a escrever
nós parámos o tempo não sabemos morrer
e nascemos nascemos
do nosso entristecer.

Meu amor meu amor
meu pássaro cinzento,
a chorar lonjura,
do nosso afastamento.

Meu amor meu amor
meu nó de sofrimento
minha mó de ternura
minha nau de tormento
este mar não tem cura este céu não tem ar
nós parámos o vento não sabemos nadar
e morremos morremos
devagar devagar.


JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS





                 Lola     





quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Nunca É Tarde

Agora Nunca É Tarde

Cada um de nós nasce com um artista lá dentro. Um poeta, um escultor, um aventureiro... um cientista, um pintor, um arqueólogo, um estilista, um astronauta, um cantor, um marinheiro.

E o sonho e a distância, e o tempo e a saudade deram-nos vida, amor, problemas, mentiras e verdade; e damos por nós mesmos descobrindo que agora, se calhar, já é um pouco tarde. E nas memórias velhas e secretas da menina morou sempre aquele sonho de um dia ser... bailarina, actriz, modelo, princesa, muito rica; eu sei lá! Mas os anos correram num assombro, e a vida foi injusta em qualquer jeito para a chama indelével que ainda arde. E os filhos são bonitos no seu peito. Pois é... mas agora... agora já é tarde. E nos papéis antigos que rasgamos há sempre meia dúzia que guardamos. São os planos da conquista do Pólo Norte que fizemos aos sete anos, escondidos no sótão uma tarde, e estiveram perdidos trinta anos. E agora, se calhar, maldita sorte! Por desnorte, acaso ou esquecimento, alguém já descobriu o Pólo Norte e agora... agora pronto, agora já é tarde. Há sempre nas gavetas escritores secretos, cientistas e doutores, desenhos e projectos construtores feitos em meninos de tudo o que sonhámos fazer quando fosse a nossa vez! Cientistas em busca de Plutão, arqueólogos no Egipto, viajantes sempre sem destino, futebolistas de sucesso no Inter de Milão. E o curso da vida foi traidor, e o curso da vida foi cobarde, e o ciclo do tempo completou-se, e agora... e agora pronto, paciência, agora já é tarde... Agora é tarde. Emprego, casa, filhos muito queridos, algum sonhar ainda com amigos, às vezes sair, beber uns copos p'ra esquecer ou p'ra lembrar, e fazer ainda um certo alarde, talvez para esconder ou para abafar, como é já tão demasiado e tão impiedosamente tarde... Não... mas não, não; nunca é tarde para sonhar! Amanhã partimos todos para Istambul, Vladivostock, Alasca, Oslo, Dakar! Vamos à selva a Timor abraçar aquela gente e às montras de Amsterdam (que eu afinal também não sou diferente). Chegando a Tóquio são horas de jantar, depois temos de voltar a Bombaim, passando por Macau e Calcutá, que eu encontro Portugal em todo o lado e mesmo fugindo nunca saio de mim. E se esse marinheiro, galã, aventureiro, esse, que já não há, pois que me saiba cumprir com coerência, nos limites decentes da demência, nos limites dementes da decência; e cumpramo-nos todos, já agora, até ao fim, no que fazemos, na diferença do que formos e dissermos! E perguntando, criando rebeldias, conferindo aquilo que acreditamos e que ainda formos capazes de sonhar! E se aquilo, aquilo que nos dão todos os dias não for coisa que se cheire ou nos deslumbre, que pelo menos nunca abdiquemos de pensar com direito à ironia, ao sonho, ao ser diferente. E será talvez uma forma inteligente de, afinal, nunca... nunca, nunca ser tarde demais para viver, nunca ser tarde demais para perceber, nunca ser tarde demais para exigir,
nunca ser tarde demais para ACORDAR!


                                                                                             Lola

Li um dia, não sei onde

Li um dia, não sei onde

Li um dia, não sei onde,
Que em todos os namorados

Uns amam muito, e os outros

Contentam-se em ser amados.

Fico a cismar pensativa
Neste mistério encantado...
Diga prá mim: de nós dois
Quem ama e quem é amado?...

Florbela Espanca



                                              Lola

Eu sou a concha das praias





Eu sou a concha das praias


Eu sou a concha das praias 
Que anda batida da onda 
E, de vaga em outra vaga, 
Não tem aonde se esconda. 
Mas se um menino, da areia 
A colher e a for guardar
No seio... ali adormece
E é ali seu descansar.
Pois sou a concha da praia
Que anda batida da onda...
Sê tu esse seio infante,
Aonde a triste se esconda!

Eu sou quem vaga perdido,
Sob o sol, com passo incerto,
Contando por suas dores
As areias do deserto.
Mas se um palmar, no horizonte,
Se vê, súbito, surgir,
Tem ali a tenda e a fonte
E é ali o seu dormir.
Pois sou quem vaga perdido,
Sob o sol, com passo incerto...
Sê tu sombra de palmeira,
Sê-me tenda no deserto!

Sou o peito sequioso
E o viúvo coração,
Que em vão chama, em vão procura
Outro peito, seu irmão.
Mas se avista, um dia, a alma
Por quem andou a chamar,
Tem ali ninho e ventura
E é ali o seu amar.
Pois sou quem anda chorando
À procura dum irmão...
Sê tu a alma que me fale,
Inda uma hora ao coração!



Antero de Quental, 

em "Primaveras Românticas"



                                                Lola

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Soneto do Amor Total




Soneto do Amor Total



Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


Vinicius de Moraes




                                              Lola

Amor



Amor


O Amor é...
O amor é o início. O amor é o meio. O amor é o fim. O amor faz-te pensar, faz-te sofrer, faz-te agarrar o tempo, faz-te esquecer o tempo. O amor obriga-te a escolher, a separar, a rejeitar.

O amor castiga-te. O amor compensa-te. O amor é um prémio e um castigo. O amor fere-te, o amor salva-te, o amor é um farol e um naufrágio. O amor é alegria. O amor é tristeza. É ciúme, orgasmo, êxtase. O nós, o outro, a ciência da vida.
O amor é um pássaro. Uma armadilha. Uma fraqueza e uma força.
O amor é uma inquietação, uma esperança, uma certeza, uma dúvida. O amor dá-te asas, o amor derruba-te, o amor assusta-te, o amor promete-te, o amor vinga-te, o amor faz-te feliz.
O amor é um caos, o amor é uma ordem. O amor é um mágico. E um palhaço. E uma criança. O amor é um prisioneiro. E um guarda. Uma sentença. O amor é um guerrilheiro. O amor comanda-te. O amor ordena-te. O amor rouba-te. O amor mata-te.
O amor lembra-te. O amor esquece-te. O amor respira-te. O amor sufoca-te. O amor é um sucesso. E um fracasso. Uma obsessão. Uma doença. O rasto de um cometa. Um buraco negro. Uma estrela. Um dia azul. Um dia de paz.
O amor é um pobre. Um pedinte. O amor é um rico. Um hipócrita, um santo. Um herói e um débil. O amor é um nome. É um corpo. Uma luz. Uma cruz. Uma dor. Uma cor. É a pele de um sorriso.
.
Joaquim Pessoa



Lola

Lua




 Lua

Oh lua que vais tão alta
tão altiva e tão serena
tão alva da cor do linho
diz-me lua que és tão bela
por entre silvas e rosas
diz-me qual é o caminho
quero o caminho do tempo
quero ter tempo p'ró caminho
quero olhar-te devagar
diz-me lua que és antiga 
quais os segredos da vida
e por onde procurar

e se valer a pena contar
e se valer a pena cantar

Quero o vento, quero os montes
quero tudo o que me mostras
no teu doce iluminar
fica metade de mim
em cada luar de agosto
numa praia à beira mar
quero de ti essa razão
essa tua força calma
de quem sabe aconselhar
conta-me tudo o que sabes
tudo o que tu vês e calas
e transformas em luar

e se valer a pena conta
e se valer a pena canta

Quero a sabedoria
de quem faz a noite dia
e se esconde p'ra pensar
mas não nos ofusca tanto
que os olhos fiquem em chama
e não possam repousar
faz no meu peito a vontade
e a quem vires que aproveita
ensina o saber profundo
tu que sabes a verdade
tu que conheces e viste
as noites todas do mundo

Pedro Barroso







                                         Lola

Era uma vez o MAR




A SOPHIA


-E se te contar uma história?

Ela aninhou-se-lhe no peito.
-Vá, fecha os olhos.
E a menina fechou. 
-Era uma vez um mar...
-Eu queria ir ver o mar. Levas-me?
-Se fechares os olhos..
-Já estão fechados. Mas é teu amigo, o mar?
-Queres ou não ouvir a história?
-Claro que quero.
-Então fecha mesmo os olhos.
-E ele fala, o mar? Tu sabes que gosto quando imitas as vozes
-Ai! Então, não fechaste os olhos
-Agora já estão fechados.
Conta-me, vá!
-Ouves o meu coração a bater?
-Ouço.
-E sentes como o meu peito te embala?
-Sinto.
-Então nesta história não vou precisar de imitar a voz.
-Então começa de novo.

Ele sentiu como a menina se encostou ao seu peito.

Não precisou falar mais nada. 
Adormeceu e ficaram os dois encostados, a ouvir, tão juntos, uma história do mar.



©CRISTINA MIRANDA (a publicar)

Poema dedicado a Sophia de Mello Breyner Andresen 
aquando da sua 'partida'




                                                Lola

Menina dos olhos de água



MENINA DOS OLHOS DE ÁGUA


Menina em teu peito sinto o Tejo

e vontades marinheiras de aproar
menina em teus lábios sinto fontes
de água doce que corre sem parar
.
menina em teus olhos vejo espelhos
e em teus cabelos nuvens de encantar
e em teu corpo inteiro sinto o feno
rijo e tenro que nem sei explicar
.
se houver alguém que não goste
não gaste - deixe ficar
que eu só por mim quero-te tanto
que não vai haver menina p'ra sobrar
.
aprendi nos "Esteiros" com Soeiro
aprendi na "Fanga" com Redol
tenho no rio grande o mundo inteiro
e sinto o mundo inteiro no teu colo
.
aprendi a amar a madrugada
que desponta em mim quando sorris
és um rio cheio de água levada
e dás rumo à fragata que escolhi
.
se houver alguém que não goste
não gaste - deixe ficar...
que eu só por mim quero-te tanto
que não vai haver menina p'ra sobrar


Pedro Barroso- letra e música,
 in álbum "Cantos da borda d'água" 1985



~




                                            Lola

Madrugar




CANÇÃO DE MADRUGAR


De linho te vesti

De nardos te enfeitei
Amor que nunca vi
Mas sei

Sei dos teus olhos acesos na noite
Sinais de bem despertar
Sei dos teus braços abertos a todos
Que morrem devagar
Sei meu amor inventado que um dia
Teu corpo pode acender
Uma fogueira de sol e de fúria
Que nos verá nascer

Irei beber em ti
O vinho que pisei
O fel do que sofri
E dei, dei

Dei do meu corpo o chicote de força
Rasei meus olhos com água
Dei do meu sangue uma espada de raiva
E uma lança de mágoa
Dei do meu sonho uma corda de insónias
Cravei meus braços com setas
Descobri rosas alarguei cidades
E construí poetas

E nunca, nunca te encontrei
Na estrada do que fiz
Amor que não logrei
Mas quis, quis

Sei meu amor inventado que um dia
Teu corpo há de acender
Uma fogueira de sol e de fúria
Que nos verá nascer

Entao nem choros, nem medos, nem uivos, nem gritos, nem
Pedras, nem facas, nem fomes, nem secas, nem
Feras, nem ferros, nem farpas, nem farsas, nem
Forcas, nem cardos, nem dardos, nem guerras, nem
Choros, nem medos, nem uivos, nem gritos, nem
Pedras, nem facas, nem fomes, nem secas, nem
Feras, nem ferros, nem farpas, nem farsas, 
nem Mal

JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS




                                             Lola



Esta noite




ESTA NOITE

Os teus beijos ardentes,
Teus afagos mais veementes,
Guarda, guarda-os, anjo meu;
Esta noite entre mil flores,
Um sonho todo de amores
Nos dará de amor um céu!

MACHADO DE ASSIS, in 'Marmota Fluminense', 16/2/1858, 
in TODA A POESIA DE MACHADO DE ASSIS, 
org. de Cláudio Murilo Leal 
(Ed. Record, Rio de Janeiro, 2008)




                                          Lola