E, a pouco e pouco, perceberam que afinal aquilo
que sentiam era apenas....um vazio! Um vazio existencial enorme.
Era atracção, era prazer enganador, era uma
felicidade que se esfumava no instante a seguir.
As pessoas daquela terra nunca tinham percebido que
aquilo não era felicidade. Nem sequer sabiam o que era a felicidade. Portanto,
nem sequer sabiam que a felicidade era diferente: era permanente. A felicidade
era um estado de iluminação, de plenitude. Era uma luz imensa que aquecia o
coração e irradiava a luz do amor para os outros.
Até que um dia chegou àquela terra um velhinho. O
velhinho chamava-se Azarado. Andava de terra em terra, à procura de sorte,
coisa que nunca encontrou. A vida tinha sido sempre muito triste para ele.
Nunca conseguia o que desejava. Nunca conseguia obter coisas boas. Tudo o que
fazia era sempre errado. Sentia uma tristeza enorme por sempre ter ouvido falar
na Sorte e nunca a ter encontrado. Acabava sempre por nunca ter o que desejava.
Mas não desistia facilmente.
E, por fim, após ter atravessado vales e montanhas,
após ter quase desesperado por não a ter conseguir encontrar, chegou a uma
placa de localidade, que se chamava.... Sorte.
Nesse instante, pensou que encontraria o objectivo
da sua vida. Algo que tanto ambicionava, mas nunca tinha encontrado: o Ter.
Ele
possuía o Ser, mas não tinha o Ter. Mas queria Ter. Queria ser rico. Queria ter
muitos carros, muitas casas, muitos bens materiais.
Ao chegar à terra da Sorte, encontrou o menino
Sortudo. Olharam um para o outro, e ficaram a olhar e a pensar....Tão
diferentes e tão iguais.
Nesse mesmo instante, o Sol radioso, o tal da alegria
enganadora, esmoreceu e tremeu. E a luz que emanava perdeu intensidade.
Nesse instante, quando o Sr. Azarado encontrou o
menino Sortudo, algo de especial aconteceu. A bondade e a generosidade
apareceram na face do menino Sortudo. Mas o Sol não gostou. O Sol da Sociedade
não gostava de actos de solidariedade.
O velhinho olhou para o menino e pediu:
Ofereça alguma coisa a um pobre homem, que é
azarado.
O menino, que era muito rico, olhou para o velhinho
e disse:
Ofereço-lhe o castelo das oportunidades. Tem a
oportunidade de mudar, mas para isso acontecer vai depender só de si.
O velhinho ficou tão feliz com aquela oferta, que
pegou em três saquinhos que trazia e entregou-os ao menino, com carinho:
Ofereço-te estes três saquinhos. Dentro deles está
o ingrediente básico para a construção da ponte da felicidade.
O menino, intrigado, agradeceu os saquinhos e
partiu.
Então a terra da Sorte transformou-se. E as
facilidades, a pouco e pouco, desapareceram. E os desejos não mais se
concretizaram.
Agora, quando as pessoas queriam algo, precisavam
de se esforçar.
E tudo aconteceu quando o menino Sortudo olhou para
o Sr Azarado. Nesse instante o menino, pela primeira vez, sentiu a
solidariedade e quis ajudar o velhinho.
A solidariedade transformou a Terra da
facilidade.
O velhinho tentou, tentou, mas não conseguiu
realizar o desejo. Percebeu então que não conseguia realizar o desejo antigo. O
Sol radioso e enganador só servia para o eu próprio. Não servia para ajudar os
outros. A solidariedade não existia. A generosidade não existia. A ajuda aos
outros não existia
O Sol radioso afinal era uma hipocrisia. E partiu,
para nunca mais voltar.
E o menino Sortudo percebeu então que a felicidade
nunca poderia ser alcançada com o egoísmo.
A superficialidade de sentimentos apenas dava às
pessoas um prazer momentâneo, que se desvanecia rapidamente.
O menino Sortudo percebeu que a sua existência não
se podia resumir só aquilo. Queria mais! Quis perceber porque razão existia!
Quis encontrar a felicidade!
Alguém lhe disse então que existia, muito longe, a
casa da felicidade.
E um dia partiu! Deixou a terra da Sorte e partiu à
procura dessa ilha.
Levou consigo pouco mais do que os três saquinhos,
que o velhinho lhe tinha oferecido.
Andou, andou....correu mundo!
A dada altura encontrou-se no deserto. O deserto da
vida. Triste, desanimado e com sede. Sem esperança de qualquer coisa, resolveu
então abrir um dos saquinhos. E radiante ficou, quando se apercebeu que lá
dentro estava água.
Saciou a sede e recuperou forças. Agora sabia que
conseguiria atravessar o deserto.
E recomeçou a caminhada...
Continuou, continuou...........
Encontrou então a terra do fogo. Era uma terra
imensa, devastada pelo fogo. Cinzas. Destruição. Tudo a preto e branco.
Tristeza enorme nas pessoas. Não havia sorrisos. Tristeza enorme até na
paisagem.
Cansado, sentou-se numa pedra e olhou para a
paisagem destruída. Depois olhou para baixo e viu outro dos saquinhos. Abriu-o,
e surpresa das surpresas, estava cheio de cores. Cores variadas e alegres. E
então pintou todo o cenário. E pôde contemplar o regresso da alegria aquelas
paragens.
Iniciou novamente a caminhada...
Encontrou a terra da escuridão. Uma escuridão
imensa. As pessoas chocavam umas nas outras. Nem se conheciam. Tudo era triste.
O menino levou a mão ao último saquinho e
apercebeu-se, para alegria de todos que o rodeavam, que lá dentro estava uma
luz. Naquela terra as pessoas voltaram novamente a sorrir. E puderam então
conhecer-se umas às outras.
Feliz e satisfeito pelas acções que efectuou
iniciou nova caminhada, na certeza de que, a partir de agora, estaria então em
condições de empreender a viagem final, que era o caminho da transformação
interior.
Andou, andou......
Até que encontrou uma multidão desesperada junto a
um rio.
Soube então que eram pessoas como ele, à procura da
casa F de felicidade.
Soube também que estavam junto ao rio dos defeitos.
E que poucas eram as pessoas que atingiam essa mesma casa F de felicidade.
Viu então, num alto duma árvore, na margem do rio
dos defeitos, um senhor alto, o guardião do rio dos defeitos, a anunciar as
regras para se entrar na casa F da felicidade.
Para que tal acontecesse era necessário:
primeiro, deitar os defeitos ao rio
segundo, trabalharmos o interior
terceiro, entrar primeiro na casa do amor e da
bondade .
Era o único acesso possível para a casa F de
felicidade.
A casa F de felicidade está na ilha da felicidade,
ao lado da casa do amor e da casa da bondade.
A ponte só é visível para as pessoas que limarem os
defeitos e aprenderem a cultivar as virtudes. Tem quatro pilares que são: os
pilares da humildade, da tolerância, da honestidade e da generosidade.
Mas antes, é necessário eliminar primeiro os cinco
defeitos básicos do ser humano, e deita-los para o rio dos defeitos e que são:
a arrogância, o orgulho, a teimosia e a mentira e vaidade.
E, umas após outras, o guardião ia repetindo sempre
os critérios para que as pessoas pudessem entrar na casa F de felicidade.
O menino ouviu aquilo e sentiu, como tantos outros,
a tarefa impossível. Não acreditou que pudesse mudar a sua maneira de ser.
Desanimado, voltou para a casa, para a terra da
Sorte. Desistiu. Como é fácil desistir. Como é fácil encolher os ombros. Quis
partir. Quis voltar as costas ao destino. E voltou. Para casa, para a vivência
conformista, para a apatia. Como muitos outros, pensou que não encontraria a
casa F de Felicidade. Nem sequer tentou. Teve medo. Não teve coragem de tentar.
E voltou. Para casa. Como muitos outros. Quase todos os outros.
Apenas olhou para o horizonte. Apenas sentiu o
limite. Apenas olhou para o sonho. Sim, era um sonho. Olhar para o sonho. Como
é belo, como é doce. É não sentir o tempo, é não sentir a vida. Olhou para o
sonho e sonhou. Mas, mesmo assim, partiu. Partiu, mas....para a terra da Sorte,
onde tudo era real, onde não havia espaço para sonhar. Mas que dizer? Era a
vida a palpitar. È mais fácil sonhar, do que viver. È mais fácil não sonhar.
E
partiu...
No caminho, encontrou uma quinta. A quinta da
família Verdade. À sua volta estava uma muralha alta e imensa. Apenas uma muralha.
Uma muralha densa.
Sentiu curiosidade e espreitou ao portão. Uma
pequena abertura e inúmeros jovens a tentar espreitar.
Por fim, conseguiu espreitar. Vislumbrou então, no
interior da muralha, a presença de uma jovem a passear por entre as flores. Vestia
um vestido azul, da cor do céu. Era linda e morena.
O menino ficou encantado. Era uma visão fascinante.
A beleza em forma de azul. A menina do vestido azul. Beleza imensa. O arco-íris
da beleza exterior e interior. Os olhos de amor do menino conseguiram ver uma
imensa beleza interior no coração da menina do vestido azul. Beleza
deslumbrante e humilde. A forma como acariciava os animais que a circundavam. A
doçura dos gestos. A atitude meiguinha com que se relacionava com as pessoas
dentro das muralhas. E, sobretudo, a beleza do seu sorriso. Um sorriso aberto
de amor.
Conseguiu ainda ver uns olhos escuros e meigos,
detrás de um olhar deslumbrante.
A menina do vestido azul.
A menina que encantou o coração do menino Sortudo.
Perguntou então aos outros jovens quem era aquela
morena linda.
Logo lhe disseram:
É a menina do vestido azul. A menina verdade! Mas
ninguém consegue entrar. Estas muralhas são impenetráveis. São as muralhas da
falsidade. Têm um detector de falsidade. E a chave para o portão ninguém a consegue
encontrar. É uma papoila azul. Ninguém sabe onde a encontrar. Muitos tentaram.
Mas ninguém a consegue encontrar.
Disse então para ele próprio:
Eu vou conseguir! Sei que vou conseguir!
E partiu.
Correu mundo...
Um dia, cansado de tanto procurar, sentou-se junto
a um campo de papoilas vermelhas. Eram imensas. As papoilas da paixão.
Sentou-se e fechou os olhos.
Sentiu o Sol forte a iluminar-lhe o rosto. Ouviu
então uma voz ao longe:
Procura bem no centro do campo das papoilas
vermelhas. No centro da paixão está uma papoila azul. É única. Só quem
desenvolveu o amor profundo e verdadeiro a consegue ver.
Abriu os olhos, sobressaltado!
Não viu ninguém. Apenas uma ave a voar e a
cantarolar, que por ele tinha passado.
Correu para o centro do campo de papoilas vermelhas
e lá estava...a papoila azul.
Colheu-a e, correu, correu....até ao portão da
quinta da família Verdade.
Abriu o portão e, de súbito, apareceu diante dele a
menina do vestido azul. Linda. Morena. Beleza imensa.
A Princesinha do vestido azul . Olhos nos olhos.
Coração a bater apressadamente. A menina do vestido azul apaixonou-se por ele
também ao primeiro olhar. O tal grande amor que tanta gente aspira e sonha
encontrar. O tal preâmbulo do paraíso que poucos encontram. Passaram dias
encantados. Viveram a sensação, a emoção. Como se deliciaram com a vida, como
quiseram viver o....Sonho. E como o viveram... Até que um dia a donzela,
chamada Verdade, lhe mostrou um tesouro que guardava religiosamente: era uma
caixa.A caixa do amor. Abriram os dois a caixa. Receosos, como todas as
pessoas. Cativados, como muitos outros.
Abriram...e encontraram os seus corações a
palpitar, a dançar no palco da vida. Ouviram o sonho das aves, sentiram o vento
da bondade a aquecê-los com carinho. E viram o mar da acalmia, da
tranqüilidade, a baloiçá-los. Tudo salpicado com amor, tudo envolvido em amor.
Um dia casaram. Dia, após dia, anos após anos, o
Sr. Sortudo, tentou sempre melhorar como ser humano. Em cada dia que passava,
tentava limar sempre um pouco as arestas dos defeitos. E trabalhava igualmente
os pilares das virtudes, sem estar preocupado com a casa F de Felicidade.
Aliás, nunca mais se lembrou, nem se preocupou com ela. Não sonhava com ela.
Não estava obcecado com ela.
Apenas vivia o momento presente, apenas vivia.
E vivia...com amor. Conheceu a palavra, conheceu o
conteúdo. Conheceu a capacidade de amar. Não só a ele próprio, mas, e
sobretudo, aos outros. Aprendeu a sentir a importância de ajudar os outros.
Aprendeu a importância do dar. Dar sem se preocupar com o receber. Dar pelo
prazer de dar. E como foi bom aprender a dar e sentir o amor.
Um dia, sem que fizesse nada no sentido de isso
acontecesse, surgiu, inesperadamente, à sua frente, uma ponte.
Olhou, estupefacto, mas.......não podia crer nos
seus olhos. Era a ponte da Felicidade. Estava ali, defronte dele...aos seus
pés. Receoso, andou, pé ante pé. Percorreu a ponte. Observou os pilares das
virtudes. Estavam completos. Estavam perfeitos. Que milagre teria acontecido. O
que lhe teria acontecido.
Olhou admirado para o rio dos Defeitos.
Viu os defeitos a serem levados pela corrente da
vida. Ou melhor, a própria vida a levá-los para o mar da maldade.
Percorreu a ponte das virtudes e chegou junto à
porta da casa F de Felicidade.
Que linda! Que sensação tão boa!
Percebeu então que o segredo estava na caixa do
amor.
A caixa do amor mostrou.lhe o caminho. O caminho
deveria ter sempre como acompanhantes a bondade e o amor. O amor era o motor, o
engenheiro da construção da ponte das virtudes.
E, contrariamente, ao que as pessoas pensavam, a
casa F de Felicidade estava em qualquer lado. E surgia em qualquer momento. Não
quando as pessoas a procuram, mas quando a ponte está completa. Quando a ponte
das virtudes está completa, encontramos o caminho e, nessa altura, conseguimos
entrar na casa F da Felicidade.
O senhor Sortudo entrou na casa F da Felicidade.
Conseguiu entrar. E nessa altura percebeu então a razão da vida, o objectivo da
nossa existência. Em qualquer lugar, em qualquer momento, temos a oportunidade
de viver o Sonho, de sermos felizes.
E ainda hoje, se diz que anda pelo Mundo, o senhor
Sortudo, a tentar ensinar as pessoas a entrar na casa F de Felicidade. Ainda
hoje se diz que, quando alguém pratica o bem, lá está ele a incentivar a
continuação da obra.....porque a entrada na casa da Felicidade é possível. Ele
existe. Só temos que construir a ponte.