Muito obrigada, Doutora!
Covid-19: Adriana despediu-se do pai pelo telefone de uma
médica a quem quer dizer "obrigado"
Vinte dias separam a última visita que Adriana fez ao
pai e aquele em que recebeu a notícia da sua morte. No funeral estiveram
"talvez 10 pessoas".
Foto: MIGUEL A. LOPES/LUSA
Não se escolhem flores e a gestão de
quem pode estar no último adeus é quase matemática. Adriana despediu-se do pai
em tempo de pandemia por
videoconferência graças a uma médica à qual, "quando tudo passar",
quer dizer "obrigado".
Vinte dias separam a última visita que
Adriana fez ao pai - Martinho Miranda Ribeiro, de 79 anos, reformado, apaixonado
pela música e residente em Vila do Conde, no distrito do Porto, - e aquele em
que recebeu a notícia da sua morte.
Conforta-a saber que Martinho sabia que
era amado e que a perda foi "uma inevitabilidade" em tempos da
pandemia da covid-19. Sossega-a
saber que o pai "teve uma boa vida". Alivia-a saber que "fez
tudo o que podia", conta à agência Lusa, menos de um mês
depois de um funeral no qual estiveram "talvez 10 pessoas".
"O caixão chegou. Estávamos com
máscara e afastados. Não escolhemos nada: nem caixão, nem flores, nada. Percebi
que havia uma urgência das autoridades e da funerária em fazer o enterro.
Enterrámos o meu pai e agora é isto. Viver com isto. O que me ajuda a fazer o luto
é a própria personalidade do meu pai que dizia que quando morresse não queria
luxos, nem preto, nem choros. Só queria música. Teve um funeral discreto como
ele queria e como eu nunca imaginei que tivesse", descreve.
Martinho Miranda Ribeiro, que tocava
concertina no Rancho das Caxinas e tinha 12 irmãos, tinha gerido um café e um
restaurante depois de regressar a Portugal vindo do Brasil. Morreu a pouco
tempo de completar o 50.ª aniversário de casamento que aconteceria em maio e
planeava a "grande festa que ia fazer" há um ano.
"Para a minha mãe, que perdeu o
companheiro de 50 anos, tem sido difícil. Porque não o viu, não sabe se ele foi
bem tratado. Pergunta-se: será que morreu sozinho? Será que sofreu?",
conta.
Estas são perguntas que o presidente da
Delegação Regional Norte da Ordem dos Psicólogos (OPP-DRN), Eduardo Carqueja,
conhece bem.
Em declarações à agência Lusa, o
psicólogo explica que "o que está a acontecer [em tempos de pandemia] é
que muitas famílias não conseguem despedir-se, não conseguem visualizar como é
que o seu familiar morreu" e, por isso, "imaginam".
"E a imaginação carrega sofrimento,
o sofrimento de pensar que pode não ter sido como gostariam que tivesse sido.
Quem trabalha no luto tem de estruturar isto muito bem. É importante que não se
abandone estas pessoas enlutadas no tempo que vai chegar porque elas podem não
ficar prisioneiras da covid-19, mas ficam prisioneiras de sentimentos de
culpabilidade, impotência, abandono, com raiva dirigida para quem morreu ou
para quem tratou de quem morreu", descreve Eduardo Carqueja.
O presidente da OPP-DRN explica que
"num processo de perda não há como não ter sofrimento" e que deve
"desenganar-se quem acha que só com acompanhamento psicológico ou com
fármacos deixa de sofrer".
Adriana Miranda Ribeiro, 41 anos, mãe de
uma menina de quatro à qual foi diagnosticada leucemia há um ano, situação
atualmente em remissão, sabia que o pai ia morrer um dia apesar de a certa
altura ter achado que ele era "imortal".
"O meu pai foi internado em
novembro depois de um enfarte. Teve consequências e aguardava reabilitação. Foi
sempre resistindo. Teve várias infeções hospitalares, desde gripe A a uma no
intestino (...). Foi operado. Trocaram-lhe parte do 'pacemaker'. Resistia
sempre. Sempre otimista. Foi preciso vir uma pandemia para o levar", diz.
O Governo proibiu as visitas a hospitais
a 08 de março. Adriana ainda viu o pai no dia seguinte. Internado por várias
outras patologias, Martinho testou positivo ao novo coronavírus a 20 de março.
Foi transferido para o Hospital Pedro
Hispano, em Matosinhos, e morreu cerca de uma semana depois, e também depois de
ter visto o filho mais novo, a quem, após estar "todo equipado", foi
permitido visitar o pai de madrugada, e ainda depois de uma videochamada que o
permitiu ver a filha e a mulher.
"Recebi uma chamada depois das
23h00 - ninguém liga a essa hora se for para dar esperança - de uma médica
espetacular do Pedro Hispano. Chama-se Margarida Oliveira. Quando tudo isto
passar vou procurá-la. Se calhar dá conforto a 100 pacientes e a 100 famílias
por dia, mas eu quero agradecer-lhe. E combinámos uma videochamada pelo
telefone dela. Não sei se ele nos ouviu, mas dissemos o que tínhamos a dizer.
De alguma forma despedimo-nos", conta Adriana, que não se deslocou ao
hospital por ser muito arriscado expor-se ao vírus tendo em conta o historial
médico da filha.
A videochamada que a médica proporcionou
a Adriana e à mãe é uma das estratégias que Eduardo Carqueja descreve como
"vitais" num "momento como este em que a morte, o luto e a perda
começam a ser falados com banalidade".
"É um desafio que já nos está a
merecer a todos uma reflexão e um olhar diferente sobre a última proximidade.
Quem trabalha nesta área procura que exista uma última proximidade para
tranquilidade, de quem morre e de quem fica", descreve o psicólogo.
Eduardo Carqueja, que também dirige o
serviço de psicologia do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ),
no Porto, acrescenta que também a "memória" é uma forma de
"integrar a perda" e "fazer o luto".
Indo ao encontro desta estratégia, num
tempo em que as despedidas são curtas e os rituais são reduzidos ao máximo,
Adriana recorda um pai "muito popular" que "provavelmente teria
tanta gente no funeral que até seria difícil de gerir", mas que morreu
"porque o universo criou uma pandemia" que levou um "herói"
ao qual só faltou "amassar um vírus que não lhe metia medo".
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da
covid-19, já provocou mais de 124 mil mortos e infetou quase dois milhões de pessoas
em 193 países e territórios.
Sábado, 15.04.2020
12:08 por Lusa
Muito Obrigada, Senhora doutora Margarida Oliveira por me ter dado a honra de ter sido sua professora de Filosofia. É sempre muito gratificante saber que contribuimos para a formação de seres de excelência como a doutora!
Lola