domingo, 20 de maio de 2018

Mano a Mano



MANO A MANO

Vim chorar a minha pena

No teu ombro e afinal

A mesma dor te condena
Choras tu do mesmo mal

Irmãos gémeos num tormento
Filhos da mesma aflição
Nenhum dos dois tem alento
Pra dar ao outro uma mão

O amor não nos quer bem
Ninguém nos há de valer
Se um perde aquilo que tem
E o outro não chega a ter

Só no resta o mano a mano
Se não queremos ficar sós
Deixa lá o teu piano
Namorar a minha voz

O amor não nos quer bem
Ninguém nos há de valer
Se um perde aquilo que tem
E o outro não chega a ter

Só no resta o mano a mano
Se não queremos ficar sós
Deixa lá o teu piano
Namorar a minha voz


Poema de MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA 
para a voz de SALVADOR SOBRAL;
 música – JÚLIO RESENDE (2018)





Que bom ouvir estes brilhos de poemas em portugûes?

Que deliciosas palavras sussuradas em voz de um sentir tão genuinamente nosso!

Que orgulho a música poder romper barreiras de não ser!



                                            Lola

O meu olhar...


O MEU OLHAR É NÍTIDO COMO UM GIRASSOL

Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)

Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

ALBERTO CAEIRO-FERNANDO PESSOA,
 in O GUARDADOR DE REBANHOS, In POEMAS DE ALBERTO CAEIRO-
 (Lisboa: Ática, 1946, 10ª ed. 1993)


                                            Lola

domingo, 13 de maio de 2018

Ou isto ou aquilo






OU ISTO OU AQUILO

Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.


CECÍLIA MEIRELES, in OU ISTO OU AQUILO, 
(1964, Ed. Nova Fronteira, Brasil, 2002)


Na lógica chama-se Princípio da Não Contradição: uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo sob a mesma condição.

Mas será que a vida é sempre a preto e branco?
Não haverá, por vezes e inevitavelmente, zonas cinzentas?
Definimo-nos ou não pelas escolhas que fazemos?
Terá a vida alguma lógica?



                                            Lola


sábado, 12 de maio de 2018

Barca Bela




BARCA BELA


Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela,
Ó pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Ó pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Ó pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ó pescador!

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela,
Ó pescador!
-

Almeida Garrett
In Folhas Caídas


Ver Aqui


                  Lola

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Pra você amor





Pra você amor


Pra você amor

Falei às estrelas nas noites de verão.
Pra você amor,
Sonhei tantas vezes de olhos abertos,
Mas se agora me espelho no escuro,
Sei que estou sozinho.
Tu não sabes, mas todas as noites.
Sinto em mim uma grande orquestra
Que toca para ti,
Para você somente,
Enquanto tu não sabes.
Porque não estás aqui.
E então, num momento só,
A música torna-se choro por mim.
Tu não sabes, mas todas as noites há em mim.
Uma música infinita à tua procura no escuro.
Para ti,
Para você que não está aqui,
A Orquestra que está no meu coração
Toca na noite.
Pra você amor,
Para ti, amor.



Pablo Neruda


  

                                            Lola

Aliança sem brilho



Aliança sem brilho


No dedo a aliança de ouro.

Nos olhos, a ausência de brilho.


Ela esperava por um luto, afinal, é o que se espera após a ruptura de um relacionamento com um tempo de convivência considerável. Se o fim de um namoro já é capaz de nocautear as emoções de alguém, o que esperar, então, de um divórcio? Contudo, ela percebeu algo estranho ao se perceber ali, em seu quarto, sem aquela aliança. Ela procurou aquele vazio tão previsível que acompanha as pessoas nas separações. Ela se preparou para angustiar-se ao se perceber sozinha naquela cama de casal, mas, nada disso aconteceu. Pelo contrário, havia uma cama espaçosa em que ela podia mover-se sem restrições e sem censura. Havia ali, um quarto inteiro para uma mulher que viveu, por um longo período, as suas noites pela metade.



  
Ela sentiu-se estranha, com um quê de culpa por estar tranquila, entretanto, continuou na expectativa de viver o luto, o vazio e a saudade. Ela chegou a pensar que estivesse vivendo algum mecanismo de fuga, uma espécie de máscara dos sentimentos e que, a qualquer hora, se depararia com aquele sentimento devastador que, no geral, assola os corações divorciados.

Contudo, os dias foram passando, e ao contrário do que se esperava, ela estava cada dia mais serena, mais tranquila e mais apaixonada pela própria companhia. E a realidade veio à tona, a “ficha caiu”. Ela se deu conta de que vivia uma solidão a dois. Ela já era sozinha, ela não tinha uma companhia efetiva, tampouco afetiva. Ela apenas dividia a cama com um corpo masculino, que deitava ao seu lado, dormia e levantava todas as manhãs apressadamente, sem ao menos dar-lhe “bom dia”. Ah, não era um corpo qualquer com o qual dividia a cama, era um corpo que negava abraços e afagos àquela mulher ávida por carinhos e toques.

Era uma companhia cujos ouvidos nunca estiveram interessados em ouvir os desabafos, as risadas, tampouco o choro dela. Honestamente, acho que o que eles tinham em comum eram apenas os nomes na certidão de casamento, o famoso casamento de “papel passado”. Ela sentia falta de um casamento de almas, ela sonhou com isso desde a adolescência. Ela queria uma união onde fosse possível aquela comunicação apenas pela troca de olhares. Ela desejava abraços que lhe envolvessem a alma, pois abraçar o corpo qualquer um consegue.
Ela queria ser admirada além dos seus atributos físicos, ela queria alguém que olhasse a beleza que ela traz na essência mesmo naqueles dias em que ela foge do espelho.

Ela sonhava com  entrega sincera e acolhimento, as  senhas que abrem o cofre que guarda o tesouro da mulher que ela é. Contudo, nada disso ela viveu com ele. Tudo era muito regrado e cronometrado. Tudo vinha a conta gotas para a mulher que transbordava intensidade. Quando ela deu por si, estava diagnosticada com desnutrição afetiva, um quadro grave, quase irreversível. Uma espécie de falência de múltiplas expectativas sentimentais. Sorte a dela que o diagnóstico foi feito a tempo de ela buscar providências.

Ela optou por retirar o nome daquele documento que o cartório emitiu um dia, perante alguns convidados. Ela percebeu que o carimbo que ratificava aquela união no civil, não tinha poder de unir duas almas. E cá pra nós, quem a conhece sabe o quanto ela é avessa à hipocrisia e superficialidade. Do que adiantava um status de casada e uma realidade de solidão e frustração? Questionava ela.

Ela constatou que não fazia sentido ter o dedo anelar esquerdo ostentando um anel de ouro enquanto o coração vivia choroso, melancólico e sem adorno algum. Ela chutou o pau da barraca e disse “sim” à própria dignidade. Dignidade para não aceitar migalhas de afeto e de não aceitar menos do que ela merece. Dignidade para não viver de forma contrária ao do que a alma dela acredita.

Ela percebeu que nem toda ruptura é dolorosa, pois para doer é necessário um vínculo de alma, ainda que discreto. Ficou claro para ela que eles não se pertenciam e que aquela certidão de casamento era uma formalidade completamente dispensável diante do que ela deseja viver…e vai viver.

Por fim, ela assimilou que ter um marido é uma coisa e ter um companheiro é outra coisa completamente diferente. O título de marido e esposa, um tabelião pode conceder a qualquer casal que se dispõe a ir a um cartório com essa finalidade. Em contrapartida, o título de companheiro(a) é concedido pelo amor sem reservas e  pela vontade de ser e fazer o outro feliz. Ainda não habilitaram um tabelião a fazer casamento de almas, e é esse casamento que interessa a ela.


O divórcio não a machucou, pelo contrário, devolveu-lhe  a inteireza de antes, a liberdade de sonhar e a certeza de que casou-se por equívoco. Por fim, oficializou-se a separação dos corpos uma vez que, no quesito almas, eles nunca trocaram um “oi”. Nada melhor do que a sensação de ter tomado a decisão certa, revela sua alma.

Ivonete Rosa
(adaptado)
4/05/2018
 In provocaçoes filosoficas



                                            Lola

O amor é uma companhia



O AMOR É UMA COMPANHIA

O amor é uma companhia.

Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo,

E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.


Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.


10-7-1930
ALBERTO CAEIRO (FERNANDO PESSOA),
 in OBRA POÉTICA E EM PROSA


                                            Lola

domingo, 6 de maio de 2018

Quando eu for pequeno



QUANDO EU FOR PEQUENO 
.

Quando eu for pequeno, mãe,
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.
.
Quando eu for pequeno, mãe,
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.
.
Quando eu for pequeno, mãe,
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.
.
Quando eu for pequeno, mãe,
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena,
lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
anunciando que vai voltar porque eu sou
[pequeno
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.

JOSÉ JORGE LETRIA,
 in O LIVRO BRANCO DA MELANCOLIA 
(Quetzal, 2001)



                                            Lola

*

Mãe




Mãe


MATER DESIDERATA 

A saudade que pesa 
Em meu coração triste,
Não m'a tira a certeza
De que outro mundo existe.

Porque não é o além
Que cura o que perdi.
Quem quero é minha mãe,
A mãe que tive aqui.

É o carinho da terra
É o amor que é afago,
No além a alma erra
Vaga num sonho vago.

Dizem-me firme e em vão
Que hei-de ainda a encontrar
Na reincarnação
Outro, em outro lugar...

Mas é a mesma que eu quero,
Essa é que eu choro em dor...

-
Fernando Pessoa
In Poesia 1931-1935


                                            Lola

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Tua Pele

TUA PELE
Tua pele, o meu lençol
De seda, onde m'aconchego
Tem perfume
Tem luz do sol
Macia e de sossego.

Tua pele, que eu tateio
Com a polpa dos meus dedos
Leva com ela os medos
Traz com ela o que anseio.

Tua pele, o meu abrigo
É a cama onde me deito
Éa espuma do meu leito
Quando estou colada a ti.

Lúcia Vaz Pedro
                                        Lola

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Borboleta




Borboleta

Uma borboleta, veja, 
é uma flor que escolheu voar.
E a flor? 
A flor é uma borboleta
 que decidiu voltar.

Akiyama nakaema


                                            Lola