sábado, 28 de abril de 2018

Estou mais perto de ti porque te amo




[ESTOU MAIS PERTO DE TI PORQUE TE AMO]


Estou mais perto de ti porque te amo.

Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras.
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.


Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.

Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.

Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.

Joaquim PESSOA, in OS OLHOS DE ISA [edição especial, 
Litexa Editora (1983)]; 
O POETA ENAMORADO
 (Ed. Esgotadas, 2015)


                                            Lola

Revolução



Revolução

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta
Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício
Como a voz do mar
Interior de um povo
Como página em branco
Onde o poema emerge
Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação

27 de Abril de 1974
Sophia de Mello Breyner Andresen,
 "O nome das coisas"


                                            Lola

A SALGUEIRO MAIA




A SALGUEIRO MAIA


Aquele que na hora da vitória
respeitou o vencido


Aquele que deu tudo e não pediu a paga
Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite


Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício


Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
como antes dele mas também por ele 
Pessoa disse.


Sophia de Mello Breyner Andresen,

"Musa" 3ª edição, Editorial Caminho, Lisboa, 1994.








                                            Lola

Flor da Liberdade






FLOR DA LIBERDADE 




Sombra dos mortos, maldição dos vivos.
Também nós… Também nós… E o sol recua.
Apenas o teu rosto continua
A sorrir como dantes,
Liberdade!
Liberdade do homem sobre a terra,
Ou debaixo da terra.
Liberdade!
O não inconformado que se diz
A Deus, à tirania, à eternidade.

Sepultos insepultos,
Vivos amortalhados,
Passados e presentes cidadãos:
Temos nas nossas mãos 
O terrível poder de recusar!
E essa flor que nunca desespera
No jardim da perpétua primavera.

Miguel Torga
In Orfeu Rebelde




Lola

Creio...




Creio...

Creio que foi o sorriso,

o sorriso foi quem abriu a porta.

Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.


Eugénio de Andrade, 
30 Poemas, 


                                            Lola

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Abril



Abril
AS PORTAS QUE ABRIL ABRIU
Era uma vez um país 
onde entre o mar e a guerra 
vivia o mais infeliz 

dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos 
vales socalcos searas 
serras atalhos veredas 
lezírias e praias claras 
um povo se debruçava 
como um vime de tristeza 
sobre um rio onde mirava 
a sua própria pobreza.

Era uma vez um país 
onde o pão era contado 
onde quem tinha a raiz 
tinha o fruto arrecadado 
onde quem tinha o dinheiro 
tinha o operário algemado 
onde suava o ceifeiro 
que dormia com o gado 
onde tossia o mineiro 
em Aljustrel ajustado 
onde morria primeiro 
quem nascia desgraçado.

Era uma vez um país 
de tal maneira explorado 
pelos consórcios fabris 
pelo mando acumulado 
pelas ideias nazis 
pelo dinheiro estragado 
pelo dobrar da cerviz 
pelo trabalho amarrado 
que até hoje já se diz 
que nos tempos do passado 
se chamava esse país 
Portugal suicidado.

Ali nas vinhas sobredos 
vales socalcos searas 
serras atalhos veredas 
lezírias e praias claras 
vivia um povo tão pobre 
que partia para a guerra 
para encher quem estava podre 
de comer a sua terra.

Um povo que era levado 
para Angola nos porões 
um povo que era tratado 
como a arma dos patrões 
um povo que era obrigado 
a matar por suas mãos 
sem saber que um bom soldado 
nunca fere os seus irmãos.

Ora passou-se porém 
que dentro de um povo escravo 
alguém que lhe queria bem 
um dia plantou um cravo.

Era a semente da esperança 
feita de força e vontade 
era ainda uma criança 
mas já era a liberdade.

Era já uma promessa 
era a força da razão 
do coração à cabeça 
da cabeça ao coração. 
Quem o fez era soldado 
homem novo capitão 
mas também tinha a seu lado 
muitos homens na prisão.

Esses que tinham lutado 
a defender um irmão 
esses que tinham passado 
o horror da solidão 
esses que tinham jurado 
sobre uma côdea de pão 
ver o povo libertado 
do terror da opressão.

Não tinham armas é certo 
mas tinham toda a razão 
quando um homem morre perto 
tem de haver distanciação

uma pistola guardada 
nas dobras da sua opção 
uma bala disparada 
contra a sua própria mão 
e uma força perseguida 
que na escolha do mais forte 
faz com que a força da vida 
seja maior do que a morte.

Quem o fez era soldado 
homem novo capitão 
mas também tinha a seu lado 
muitos homens na prisão.

Posta a semente do cravo 
começou a floração 
do capitão ao soldado 
do soldado ao capitão.

Foi então que o povo armado 
percebeu qual a razão 
porque o povo despojado 
lhe punha as armas na mão.

Pois também ele humilhado 
em sua própria grandeza 
era soldado forçado 
contra a pátria portuguesa.

Era preso e exilado 
e no seu próprio país 
muitas vezes estrangulado 
pelos generais senis.

Capitão que não comanda 
não pode ficar calado 
é o povo que lhe manda 
ser capitão revoltado 
é o povo que lhe diz 
que não ceda e não hesite
– pode nascer um país 
do ventre duma chaimite.

Porque a força bem empregue 
contra a posição contrária 
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!

Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra 
na madrugada serena 
um poeta que cantava 
o povo é quem mais ordena.

E então por vinhas sobredos 
vales socalcos searas 
serras atalhos veredas 
lezírias e praias claras 
desceram homens sem medo 
marujos soldados «páras» 
que não queriam o degredo 
dum povo que se separa. 
E chegaram à cidade 
onde os monstros se acoitavam 
era a hora da verdade 
para as hienas que mandavam 
a hora da claridade 
para os sóis que despontavam 
e a hora da vontade 
para os homens que lutavam.

Em idas vindas esperas 
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras 
arrancaram-se as mordaças 
e o povo saiu à rua 
com sete pedras na mão 
e uma pedra de lua 
no lugar do coração.

Dizia soldado amigo 
meu camarada e irmão 
este povo está contigo 
nascemos do mesmo chão 
trazemos a mesma chama 
temos a mesma ração 
dormimos na mesma cama 
comendo do mesmo pão. 
Camarada e meu amigo 
soldadinho ou capitão 
este povo está contigo 
a malta dá-te razão.

Foi esta força sem tiros 
de antes quebrar que torcer 
esta ausência de suspiros 
esta fúria de viver 
este mar de vozes livres 
sempre a crescer a crescer 
que das espingardas fez livros 
para aprendermos a ler 
que dos canhões fez enxadas 
para lavrarmos a terra 
e das balas disparadas 
apenas o fim da guerra.

Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril f
ez Portugal renascer.

E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.

Mesmo que tenha passado 
às vezes por mãos estranhas 
o poder que ali foi dado 
saiu das nossas entranhas. 
Saiu das vinhas sobredos 
vales socalcos searas 
serras atalhos veredas 
lezírias e praias claras 
onde um povo se curvava 
como um vime de tristeza 
sobre um rio onde mirava 
a sua própria pobreza.

E se esse poder um dia 
o quiser roubar alguém 
não fica na burguesia 
volta à barriga da mãe. 
Volta à barriga da terra 
que em boa hora o pariu 
agora ninguém mais cerra 
as portas que Abril abriu.

Essas portas que em Caxias 
se escancararam de vez 
essas janelas vazias 
que se encheram outra vez 
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez 
que espreitavam como espias 
todo o povo português.

Agora que já floriu 
a esperança na nossa terra 
as portas que Abril abriu 
nunca mais ninguém as cerra.

Contra tudo o que era velho 
levantado como um punho 
em Maio surgiu vermelho 
o cravo do mês de Junho.

Quando o povo desfilou 
nas ruas em procissão 
de novo se processou 
a própria revolução.

Mas eram olhos as balas 
abraços punhais e lanças 
enamoradas as alas 
dos soldados e crianças.

E o grito que foi ouvido 
tantas vezes repetido 
dizia que o povo unido 
jamais seria vencido.

Contra tudo o que era velho 
levantado como um punho 
em Maio surgiu vermelho 
o cravo do mês de Junho.

E então operários mineiros 
pescadores e ganhões 
marçanos e carpinteiros 
empregados dos balcões 
mulheres a dias pedreiros 
reformados sem pensões 
dactilógrafos carteiros 
e outras muitas profissões 
souberam que o seu dinheiro 
era presa dos patrões.

A seu lado também estavam 
jornalistas que escreviam 
actores que se desdobravam 
cientistas que aprendiam 
poetas que estrebuchavam 
cantores que não se vendiam 
mas enquanto estes lutavam 
é certo que não sentiam 
a fome com que apertavam 
os cintos dos que os ouviam.

Porém cantar é ternura 
escrever constrói liberdade 
e não há coisa mais pura 
do que dizer a verdade.

E uns e outros irmanados 
na mesma luta de ideais 
ambos sectores explorados 
ficaram partes iguais.

Entanto não descansavam 
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam 
silêncios boatos murmúrios 
risinhos que se calavam 
palácios contra tugúrios 
fortunas que levantavam 
promessas de maus augúrios 
os que em vida se enterravam 
por serem falsos e espúrios 
maiorais da minoria 
que diziam silenciosa 
e que em silêncio fazia 
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo 
e com ordenados régios 
o alvor do socialismo 
e o fim dos privilégios.

Foi então se bem vos lembro 
que sucedeu a vindima 
quando pisámos Setembro 
a verdade veio acima.

E foi um mosto tão forte 
que sabia tanto a Abril 
que nem o medo da morte 
nos fez voltar ao redil.

Ali ficámos de pé 
juntos soldados e povo 
para mostrarmos como é 
que se faz um país novo.

Ali dissemos não passa! 
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça 
odeia a quem desgraçou.

Foi a força do Outono 
mais forte que a Primavera 
que trouxe os homens sem dono 
de que o povo estava à espera.

Foi a força dos mineiros 
pescadores e ganhões 
operários e carpinteiros 
empregados dos balcões 
mulheres a dias pedreiros 
reformados sem pensões 
dactilógrafos carteiros 
e outras muitas profissões 
que deu o poder cimeiro 
a quem não queria patrões.

Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
— cumpriu-se a revolução.

Porém em quintas vivendas 
palácios e palacetes 
os generais com prebendas 
caciques e cacetetes 
os que montavam cavalos 
para caçarem veados 
os que davam dois estalos 
na cara dos empregados 
os que tinham bons amigos 
no consórcio dos sabões 
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões 
os generais subalternos 
que aceitavam os patrões 
os generais inimigos 
os generais garanhões 
teciam teias de aranha 
e eram mais camaleões 
que a lombriga que se amanha 
com os próprios cagalhões. 
Com generais desta apanha 
já não há revoluções.

Por isso o onze de Março 
foi um baile de Tartufos 
uma alternância de terços 
entre ricaços e bufos.

E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.

Fugiram como cobardes 
e para terras de Espanha 
os que faziam alardes 
dos combates em campanha.

E aqui ficaram de pé 
capitães de pedra e cal 
os homens que na Guiné 
aprenderam Portugal.

Os tais homens que sentiram 
que um animal racional
opõe àqueles que o firam 
consciência nacional.

Os tais homens que souberam 
fazer a revolução 
porque na guerra entenderam 
o que era a libertação.

Os que viram claramente 
e com os cinco sentidos 
morrer tanta tanta gente 
que todos ficaram vivos.

Os tais homens feitos de aço 
temperado com a tristeza 
que envolveram num abraço 
toda a história portuguesa.

Essa história tão bonita 
e depois tão maltratada 
por quem herdou a desdita 
da história colonizada.

Dai ao povo o que é do povo 
pois o mar não tem patrões.
– Não havia estado novo 
nos poemas de Camões!

Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.

Foi este lado da história 
que os capitães descobriram 
que ficará na memória 
das naus que de Abril partiram

das naves que transportaram 
o nosso abraço profundo 
aos povos que agora deram 
novos países ao mundo.

Por saberem como é 
ficaram de pedra e cal 
capitães que na Guiné 
descobriram Portugal.

E em sua pátria fizeram 
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram 
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos 
que ficarão a render 
ao invés dos monopólios 
para o trabalho crescer. 
Guindastes portos navios 
e outras coisas para erguer 
antenas centrais e fios 
dum país que vai nascer.

Mesmo que seja com frio 
é preciso é aquecer 
pensar que somos um rio 
que vai dar onde quiser

pensar que somos um mar 
que nunca mais tem fronteiras 
e havemos de navegar 
de muitíssimas maneiras.

No Minho com pés de linho 
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho 
na Beira com requeijão 
e trocando agora as voltas 
ao vira da produção 
no Alentejo bolotas 
no Algarve maçapão 
vindimas no Alto Douro 
tomates em Azeitão 
azeite da cor do ouro 
que é verde ao pé do Fundão 
e fica amarelo puro 
nos campos do Baleizão. 
Quando a terra for do povo 
o povo deita-lhe a mão!

É isto a reforma agrária 
em sua própria expressão:
a maneira mais primária 
de que nós temos um quinhão 
da semente proletária 
da nossa revolução.

Quem a fez era soldado 
homem novo capitão 
mas também tinha a seu lado 
muitos homens na prisão.

De tudo o que Abril abriu 
ainda pouco se disse 
um menino que sorriu 
uma porta que se abrisse 
um fruto que se expandiu 
um pão que se repartisse 
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse 
e entre vinhas sobredos 
vales socalcos searas 
serras atalhos veredas 
lezírias e praias claras 
um povo que levantava 
sobre um rio de pobreza 
a bandeira em que ondulava 
a sua própria grandeza! 
De tudo o que Abril abriu 
ainda pouco se disse 
e só nos faltava agora 
que este Abril não se cumprisse. 
Só nos faltava que os cães 
viessem ferrar o dente 
na carne dos capitães 
que se arriscaram na frente.

Na frente de todos nós 
povo soberano e total 
que ao mesmo tempo é a voz 
e o braço de Portugal.

Ouvi banqueiros fascistas 
agiotas do lazer 
latifundiários machistas 
balofos verbos de encher 
e outras coisas em istas 
que não cabe dizer aqui 
que aos capitães progressistas 
o povo deu o poder! 
E se esse poder um dia 
o quiser roubar alguém 
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe! 
Volta à barriga da terra 
que em boa hora o pariu 
agora ninguém mais cerra 
as portas que Abril abriu!

ARY DOS SANTOS




                                            Lola

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Ode-menina



Ode-menina

Sonho por trás de cada porta um amor indestrutível.
É preciso que cada palavra seja um símbolo da vida.
É preciso que cada palavra seja a própria vida.

Que cada uma dance, como uma estrela-solar no centro do coração de uma baleia.

É preciso que as palavras sejam usada para impedir uma guerra
que cada uma, nuclearmente dita, impeça uma destruição,
uma agressão, que cada palavra, sabiamente usada,
seja o centro de um coração nascente. 
É preciso o teu grito, 
o teu movimento,
precisamos da tua força indestrutível que pode reconstruir o mundo.

Passo agora por uma rua de Chicago,
Pode ser Arouca, ou melhor, Passargada.
Aqui vive gente. Passam em frente a esta barbearia, 
Olham para a esquerda e para a direita para passar a rua,
Olham com segurança, com medo ou com alegria 
de infinitas formas diferentes o dia que começa, 
entram nos autocarros, cruzam olhares,
Fragmentos dos seus dias. 
As coisas que se amam crescem juntas.
Cruzam os seus fogos. 
Rompem, rasgam, sobem.

É preciso que cada palavra se ria, quente doseada,
até o seu coração-nascente – É preciso – como uma oração –
Dar as mãos, sentir o silêncio solar do mundo, pedir perdão,
Dizer obrigado, dizer, por exemplo: os teus olhos quentes e fechados são a mais magnifica surpresa do universo – e dizê-lo, quente, àquela pessoa que está à nossa frente,
É preciso que alguém deixe as suas sandálias junto a um promontório
e mergulhe fundo no mar de Lagos, é preciso que alguém olhe diretamente o sol
E diga: (Nascente), (Nascente), (Nascente)
É preciso dizer liberdade com os olhos fechados e os lábios húmidos,
É preciso ver como um ouriço se contrai junto ao chão, com o seu coração a bater, separado do chão por uma finíssima camada de pele, a sua textura, é preciso dizer aí está uma nuvem, aí está um pássaro, aí está um semáforo.
Em cada coração bate uma esperança. Em cada coração bate o mundo todo, a casca áspera das árvores, o silêncio solar do mundo.

Sonho. Por trás de cada porta um amor indestrutível.
Deixei amigos quentes espalhados por promontórios, 
penínsulas, cidades, desertos vermelhos, deixei uma vontade solar no centro de um coração nascente e dez mil pessoas disseram que o mar subiu – devagar – tomou conta dos diários do quinto andar – O mar disse: Esta é uma história que está a começar, e na verdade não é uma história, é um abraço. E as coisas que se amam crescem juntas, sem nome, os meus olhos quentes e fechados. Os teus cabelos molhados, os pés de uma criança que cruza a praia. África inteira a pulsar.

É preciso que cada palavra reconstrua o mundo.
É preciso que cada palavra faça nascer o mundo.
É preciso que cada palavra liberte o mundo.

É preciso.
É preciso.
É preciso.

Nuno Brito
22 de Abril de 2018

                                          Lola


Arima




ARIMA


Uma gaivota – dizes.

Sim, uma gaivota
passa distante e arde.
O teu rosto é azul,
e contudo está cheio
do oiro da tarde.
.
Uma gaivota.
Alma do mar e tua,
abandona-se à luz.
.
E na boca nem eu sei
se me nasce o coração
ou é a lua.


EUGÉNIO DE ANDRADE, in MAR DE SETEMBRO (1961; Limiar, 1977),
 in POESIA DE EUGÉNIO DE ANDRADE
 (Modo de ler, 2011).


                                            Lola

António Aleixo





Acho uma moral ruim
trazer o vulgo enganado:
mandarem fazer assim
e eles fazerem assado.


Sou um dos membros malditos
dessa falsa sociedade
que, baseada nos mitos,
pode roubar à vontade.

Esses por quem não te interessas
produzem quanto consomes:
vivem das tuas promessas
ganhando o pão que tu comes.

Não me dêem mais desgostos
porque sei raciocinar...
Só os burros estão dispostos
a sofrer sem protestar!

Esta mascarada enorme
com que o mundo nos aldraba,
dura enquanto o povo dorme,
quando ele acordar, acaba."

.
 António Aleixo 





                                           Lola