sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

FUNERAL BLUES



FUNERAL BLUES
 (Parem todos os relógios)

Parem todos os relógios, desliguem o telefone, 

Evitem o latido do cão com um osso suculento, 
Silenciem os pianos e com tambores lentos 
Tragam o caixão, deixem que o luto chore. 
.
Deixem que os aviões voem em círculos altos 
Riscando no céu a mensagem: Ele Está Morto, 
Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos brancos do chão, 
Deixem que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão. 
.
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Leste e Oeste, 
A minha semana útil e o meu domingo inerte, 
O meu meio-dia, a minha meia-noite, a minha canção, a minha fala, 
Achei que o amor fosse para sempre: Eu estava errado. 
.
As estrelas não são necessárias: retirem cada uma delas; 
Empacotem a lua e façam o sol desmanchar; 
Esvaziem o oceano e varram as florestas; 
Pois nada no momento pode algum bem causar.

W. H. AUDEN, in OUTRO TEMPO 
|tradução de Margarida Vale de Gato| (Relógio d’Água, 2003)


*
(no original)
W. H. AUDEN, in ANOTHER TIME (Faber & Faber, 2007)

FUNERAL BLUES (Stop all the clocks)
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message 'He is Dead'.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.

The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the wood;
For nothing now can ever come to any good.


                                            Lola

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Sopa dos Pobres







Sopa dos Pobres

- “Srª empregada o que é o comer na cantina?”
-“Hoje é peixe…queres tirar a senha?”
- “Não…não gosto de peixe…”
Ouço repetidamente esta conversa entre miúdos na escola e eu que, por acaso, prefiro peixe a carne interrogo-me, num misto de curiosidade e estupefação,  o que comerão estes miúdos nas suas próprias casas…
E porque do existente se pode sempre fazer sobressair o bom e o mau, este pequeno diálogo transporta-me aos tempos idos da minha infância escolar vivida na bonita e envidraçada escola do Cerco do Porto.
Na década de 60 frequentava eu a referida escola e notava que a meio da manhã chegava um camião com panelas gigantes que envolvia um cheirinho apetecível de uma sopa que eu pensava ser universal.
Com efeito, uma simples sopa que, por vezes, é rejeitada e pouco apetecida por nós, tornava-se naquela época um pequeno obstáculo entre os meus sentires de criança e a escola do qual eu sempre gostei de forma desmesurada.
Num dos primeiros dias que me apercebi da distribuição da sopa, coloquei-me ingenuamente na fila quando, à entrada da cantina, a funcionária com tom austero me disse: “A sopa não é para ti…”
Nesse dia regressei da escola a chorar…lembro bem a tristeza que senti por não me deixarem participar de um “meio almoço” que também eu desejava partilhar com os meninos da Escola do Cerco.
A minha mãe, sempre atenta ao modo como eu encarava a escola e àquilo que eu aprendia., lá ía consolando as minhas lágrimas de menina mais emotiva e menos racional e …
…num determinado dia foi falar mesmo com a professora D. Isolina (chegada ao Porto vinda de Cinfães para acompanhar o marido, médico num dos hospitais da cidade) para que esta possibilitasse a minha inserção no grupo dos meninos contemplados pela sopa, ainda que tivesse que “pagar alguma coisa”. Soube nesse mesmo dia que a sopa tinha um nome -  “Sopa dos Pobres” - e que era apenas destinada aos meninos pobres que não tinham de comer em casa. No fim da sopa, era distribuído um molete que eu alegremente trazia para casa com uma satisfação que ainda hoje me faz pensar demora e sorridentemente.
Volvidos cerca de cinco décadas eu olho a escola com outras preocupações mas com a mesma emoção. Já não há a “Sopa dos Pobres” mas não são raros os casos em que a escola se coloca na retaguarda de fornecer refeições (para casa) a alguns alunos muito carenciados. Já não há a discriminatória e infeliz divisão nas salas em três filas de alunos: os bons, os médios e os burros…mas há meninos a quem a escola não lhes diz absolutamente nada e que é difícil aceitarem que esta é um trampolim para a vida que está lá fora. Já não há brincadeiras e correrias saudáveis mas sim olhares pregados num telemóvel que os transporta a um mundo que eu, sinceramente, desconheço, mas que, de forma alguma, invejo…Hoje, tenho de, por vezes, desdobrar-me entre os conteúdos de um programa com os quais nem sempre concordo e o apoio ao aluno que sofre de ansiedade, à aluna que foi deixada pelo namorado e chora copiosamente  ou mesmo àqueles alunos que ninguém quer integrar em trabalhos de grupo…
Hoje os desafios são múltiplos e complexos. Mas é muito bom recebê-los cada manhã…sentir a sua mundividência…o seu lado divertido e descomprometido com a vida!
Sou orgulhosamente Professora…
Professora de Filosofia…
Professora de Filosofia de um Agrupamento de Escolas onde se constroem futuros (que eu acredito  serem) de Esperança!





Lola

domingo, 6 de janeiro de 2019

OS 3 REIS MAGOS



OS 3 REIS MAGOS E A ESTRELA DE NATAL

Era uma vez uma estrela muito brilhante...cintilava mais que todas as outras e parecia até mover-se no céu...
No Oriente vivia um Rei chamado Belchior. Certa noite, olhava o céu estrelado quando lhe pareceu ouvir uma voz...mas não via ninguém. Reparou melhor naquela estrelinha brilhante e, qual não é o seu espanto quando ouviu:
- Sim, sou eu que te estou a chamar...
- Mas tu és uma estrela...embora pareças especial...
-E sou...fui escolhida para indicar a todos que nasceu o Menino
-O Menino?...Que Menino?...
- O Menino Jesus...nasceu num estábulo em Belém...
-E esse Menino é um Príncipe?
- Não...ele é filho de Maria e José, é muito pobre, e nasceu num estábulo, perto de um burro, de uma vaca e de alguns outros animais...
- Pois, não sei explicar porquê, mas sinto que posso ajudar esse Menino. Vou levar-lhe ouro..., mas, como faço para lá chegar?
- Não te preocupes...segue-me e lá chegarás...
E assim foi...pelo caminho, encontraram outro Rei, chamado Baltazar. Este, admirado com o brilho daquela estrela perguntou:
-Onde vão, nesta noite de paz em que parece ouvir-se anjos a cantar?
-Vamos ver o Menino - disse Belchior
- O Menino?...
-Sim...Jesus, que nasceu em Belém...
-O Menino que nos vem ensinar a Paz. o Amor...e tantas outras coisas importantes
para sermos felizes...- disse a Estrela
- ...E fazermos os outros felizes...- disse Belchior
- Quero visitá-lo! Vou levar-lhe incenso...
- Vem - disse a Estrela - segue-me e lá chegarás...
Continuaram, por algum tempo, até que ouviram alguém chamar:
Esperem...esperem...ouvi dizer que vão ver o Menino e entregar-lhe ofertas que o podem ajudar...eu tenho mirra para lhe levar...mas não sei como lá chegar...
Não te preocupes- disse a Estrela - segue-me e lá chegarás...

E assim foi...viajaram dias e dias, noites e noites, sempre acompanhados pela luz da estrela que mostrava exactamente o lugar onde Jesus nascera. Ao aproximarem-se viram outras pessoas que também seguiam aquela luz para visitarem Jesus. Pastores e camponeses levavam aquilo que podiam para partilhar com aquela família pobre que estava em Belém...comida, mantas para se aquecerem...mas também não tinham muito para oferecer, aquelas pessoas...
Finalmente chegaram... Os 3 Reis Magos entraram naquele lugar e, de repente, os seus corações encheram-se de Alegria e sentiram uma Paz imensa ao verem o Menino que dormia nas palhinhas, junto da sua família... a Estrela, sobre o telhado do estábulo, parecia sorrir e brilhava agora mais do que nunca...



Ana Margarida Barreiros



Lola

Inquietação





Inquietação



A contas com o bem que tu me fazes
A contas com o mal por que passei

Com tantas guerras que travei

Já não sei fazer as pazes


São flores aos milhões entre ruínas
Meu peito feito campo de batalha
Cada alvorada que me ensinas
Oiro em pó que o vento espalha


Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda


Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda


Ensinas-me fazer tantas perguntas
Na volta das respostas que eu trazia
Quantas promessas eu faria
Se as cumprisse todas juntas

Não largues esta mão no torvelinho
Pois falta sempre pouco para chegar
Eu não meti o barco ao mar
Pra ficar pelo caminho

Cá dentro inqueitação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda


Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda


Cá dentro inqueitação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Mas sei
É que não sei ainda


Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda


José Mário Branco



                                            Lola

BALADA DE SEMPRE




BALADA DE SEMPRE


Espero a tua vinda 

a tua vinda,
em dia de lua cheia.
Debruço-me sobre a noite
a ver a lua a crescer, a crescer...
Espero o momento da chegada
com os cansaços e os ardores de todas as chegadas...
Rasgarás nuvens de ruas densas,
Alagarás vielas de bêbados transformadores.
Saltarás ribeiros, mares, relevos...
- A tua alma não morre
aos medos e às sombras!
Mas...,
Enquanto deixo a janela aberta
para entrares,
o mar,
aí além,
sempre duvidoso,
desenha interrogações na areia molhada...


FERNANDO NAMORA, in RELEVOS 
(Tipografia Louzanense. 1937)


                                            Lola

Uma pequenina luz




Uma pequenina luz



Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière

just a little light
una picolla… em todas as línguas do mundo

uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indeflectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha


Jorge de Sena


O poema fala da consciência e ignorância da humanidade. Pois, estas não reparam nos pequenos sentimentos à sua volta e cometem erros sem se aperceberem, vivendo de forma ignorante e egocêntrica.   

   
                                            Lola

PRANTO PELO DIA DE HOJE



PRANTO PELO DIA DE HOJE

.
Nunca choraremos bastante quando vemos 
o gesto criador ser impedido
.
Nunca choraremos bastante quando vemos
que quem ousa lutar é destruído
por troças por insídias por venenos
e por outras maneiras que sabemos
tão sábias tão subtis e tão peritas
que nem podem sequer ser bem descritas



SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, 
in LIVRO SEXTO (Moraes Ed, 1962) 
e OBRA POÉTICA (Caminho, 2010; 

Assírio & Alvim, 2015)




Lola