sábado, 31 de março de 2018

Viver sem ti




"Não quero viver sem ti mais nenhum tempo.
Nem sequer um segundo do teu sono.
Encostar-me toda a ti eu não invento.
Tu és a minha vida o tempo todo".


Maria Teresa Horta





Lola

sexta-feira, 30 de março de 2018

Páscoa



Páscoa

"Isto de religião está cada vez pior dentro de mim. Depois de uns arrancos fundos e angustiosos, a coisa foi secando, secando, até chegar a esta mirra mística, que já não há Jordão teológico capaz de vivificar.
Mas quanto mais pobre estou desse conteúdo humano, mais cheio me sinto de desespero. O que eu dava para me levantar cedo esta manhã, ir à missa, e voltar da igreja com a cara que trazia o meu vizinho!
Não é que eu tenha verdadeiramente pecados, ou que, se os tivesse, algum Deus fosse capaz de me lavar deles. (Até o último aldeão sabe que quando muda um marco não há céu que lhe benza a maroteira).
Queria era sentir-me ligado a um destino extra-biológico, a uma vida que não acabasse com a última pancada do coração."
                                                                                          (Miguel Torga (“Diário I vol.)
"Ser incréu custa muito! É dia de Páscoa. O gosto que eu teria de beijar também o Senhor, se acreditasse! Assim, olho a fé dos outros em aleluia, e fico nesta tristeza agnóstica que faz da vida uma agónica aventura sem esperança de ressurreição."
(Miguel Torga, Diário XIII. Texto escrito em 15 de Abril de 1979)




                                           Lola

Onda e Mar




Onda e Mar

" Um dia a onda perguntou ao mar:
- Você me ama?
E o mar respondeu-lhe: 
O meu coração é tão forte que sempre que te afastas para a terra eu puxo-te de volta ...
...para te recuperar nos meus braços".



                                            Lola

Amizade



Amizade


Eu não posso te dar soluções para todos os problemas da vida
Não tenho respostas para suas dúvidas ou medos,
Mas posso ouvi-los e dividi-los contigo.
Não posso mudar nem o teu passado nem o teu futuro,
Mas quando for preciso, estarei perto de ti.


Não te posso impedir de cair.
Só posso oferecer-te a minha mão para te apoiar e não caíres.
A tua alegria, o teu sucesso e o teu triunfo não são os meus,
No entanto, alegra-me sinceramente quando te vejo feliz.
Não julgo as decisões que você toma na vida,
Limito-me a apoiar-te e ajudar-te se me perguntares.


Não posso traçar limites dentro dos quais tens de te mexer.
Mas posso oferecer-te o espaço necessário para crescer.
Não posso evitar o teu sofrimento, quando alguma pena te toca no coração,
Mas posso chorar contigo e recolher as peças para voltar a pô-lo de novo.
Não posso dizer-te o que és nem o que deves ser.
Só posso querer-te como és e ser tua amiga.


Neste dia pensei em alguém que me fosse amigo nesse momento apareceste tu...

Você não está nem por cima nem por baixo nem no meio você não está nem na cabeça nem no final da lista,
Você não é o número 1 nem o número final
E muito menos tenho a pretensão
De ser o 1º o 2º ou o 3º da sua lista
Desde que me queiras como amiga:
Não sou grande coisa.
Mas sou tudo o que posso ser.

                                                                                                                                 Jorge Luís Borges



                                            Lola

quarta-feira, 28 de março de 2018

Gostava de morar na tua pele




Gostava de morar na tua pele



Gostava de morar na tua pele
desintegrar-me em ti e reintegrar-me
não este exílio escrito no papel
por não poder ser carne em tua carne.
.
Gostava de fazer o que tu queres
ser alma em tua alma em um só corpo
não o perto e o distante entre dois seres
não este haver sempre um e sempre o outro.
.
Um corpo noutro corpo e ao fim nenhum
tu és eu e eu sou tu e ambos ninguém
seremos sempre dois sendo só um.
.
Por isso esta ferida que faz bem
este prazer que dói como outro algum
e este estar-se tão dentro e sempre aquém.



*MANUEL ALEGRE ,
 in SETE SONETOS E UM QUARTO,
 ( Dom Quixote, 2005)




                                            Lola

Abat-jour



Abat-Jour


A lâmpada acesa

(Outrem a acendeu)

Baixa uma beleza

Sobre o chão que é meu.

No quarto deserto
Salvo o meu sonhar,
Faz no chão incerto
Um círculo a ondear.

E entre a sombra e a luz
Que oscila no chão
Meu sonho conduz
Minha inatenção.

Bem sei ... Era dia
E longe de aqui...
Quanto me sorria
O que nunca vi!

E no quarto silente
Com a luz a ondear
Deixei vagamente
Até de sonhar...

Fernando Pessoa, 
em "Cancioneiro"





                                            Lola

domingo, 25 de março de 2018

Soneto






SONETO

Também eu tenho um "hobby": é viver
minuto após minuto a minha vida,
se possível do lado em que souber
que vale mais a pena ser vivida.




Já deixei de sonhar com andorinhas
e com o deus à venda nos prospectos.
Recuso-me a entrar em capelinhas
pois faço à transparência os meus projectos.


Sei bem que os incapazes me detestam
e nem os preguiçosos aguentam
comigo a funcionar a todo o gás.


Contudo, cada um vale o que vale.
Porquê ambicionar ser imortal
se nunca saberei se fui capaz?

JOAQUIM PESSOA, 
in SONETOS PERVERSOS 
(Litexa, 1984)



Lola

sábado, 24 de março de 2018

Ausência

Ausência


Por muito tempo achei que a ausência é falta. 
E lastimava, ignorante, a falta. 
Hoje não a lastimo. 
Não há falta na ausência. 
A ausência é um estar em mim. 
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus 
                                                                            [braços, 
que rio e danço e invento exclamações alegres, 
porque a ausência, essa ausência assimilada, 
ninguém a rouba mais de mim. 


Carlos Drummond de Andrade, in 'O Corpo' 



                                            Lola

Quando vier a Primavera,



Quando Vier a Primavera


Quando vier a Primavera, 
Se eu já estiver morto, 
As flores florirão da mesma maneira 
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. 
A realidade não precisa de mim. 


Sinto uma alegria enorme 
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma 



Se soubesse que amanhã morria 
E a Primavera era depois de amanhã, 
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã. 
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo? 
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo; 
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse. 
Por isso, se morrer agora, morro contente, 
Porque tudo é real e tudo está certo. 



Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. 
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. 
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. 
O que for, quando for, é que será o que é. 



Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 
Heterónimo de Fernando Pessoa 




                                            Lola

Há o teu rosto





Há o teu rosto


Há o teu rosto dentro do teu rosto: único e múltiplo.
As tuas mãos de outrora nas tuas mãos de agora
Há o primeiro amor que é sempre o último
antes do tempo ou só depois da hora.

E vinhas de tão longe. E era tão fundo.
Eu conheço-te. E era por mim. E era por ti. E era por dois.
E havia na tua voz o princípio do mundo.
E era antes da Terra. E era depois.


Manuel Alegre, 
in Livro do Português Errante 
(Pub. D. Quixote, 2001)




                                           Lola
















                                            Lola

Não basta abrir a janela




Não basta abrir a janela


Para ver os campos e o rio.

Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. 






Lola


Loucura

Jean Louis Toutin


" nós gente louca pensamos com o coração..."

Jim Morrison

"Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura."

F. Nietzsche

"A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio."

Fernando Pessoa

Jean Louis Toutin
                                            Lola

sexta-feira, 23 de março de 2018

Não sei quantas almas tenho




Não sei quantas almas tenho


Não sei quantas almas tenho. 
Cada momento mudei. 
Continuamente me estranho. 
Nunca me vi nem achei. 
De tanto ser, só tenho alma. 
Quem tem alma não tem calma. 
Quem vê é só o que vê, 
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo, 
Torno-me eles e não eu. 
Cada meu sonho ou desejo 
É do que nasce e não meu. 
Sou minha própria paisagem; 
Assisto à minha passagem, 
Diverso, móbil e só, 
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo 
Como páginas, meu ser. 
O que segue não prevendo, 
O que passou a esquecer. 
Noto à margem do que li 
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa



                                         Lola

Uma história de amor




UMA HISTÓRIA DE AMOR

E realmente, aos trinta e dois anos, sou velhíssimo, aposto que a batina vermelha de menino do coro já não me serve, os calções não me servem, de certeza que nada me serve, a menina para mim – Como é que te passou pela cabeça que eu podia apaixonar-me e casar contigo, és tão tonto

Aos treze anos, mais ou menos, apaixonei-me perdidamente por uma menina de onze ou doze, que só via na igreja, eu, menino do coro, lá em cima no altar, ela com a mãe e a tia na assistência. Levava as semanas à espera da hora da missa, a saudade doía-me fisicamente, nunca lhe falei, nunca a vi a menos de vinte ou trinta metros, às vezes estava um menino, primo ou isso, ao seu lado e eu consumido de ciúmes, a sofrer como um cão, parecia-me que de vez em quando ela olhava para mim mas não tinha a certeza, o mais provável era que não me ligasse nenhuma eu que até perfumava com o frasco da minha mãe, eu que até tentava pentear a franja para trás com a escova do meu pai, nunca dei pelo mais pequeno interesse da parte dela, usava meias brancas, usava tranças, não fazia ideia do seu nome, não fazia ideia onde morava, se calhar era casada
(há pessoas precoces)
e passei para aí um ano inteiro a derreter-me de amor, a pensar nela no eléctrico, no liceu, em casa, às vezes de lágriminha a arder-me no canto do olho
(a paixão dói para burro)
até que ela, os pais, uma velha de dezasseis ou dezassete anos, igualzinha à mãe, já de saltos altos, já senhora, que, sei lá porquê, essa sim, parecia olhar-me de vez em quando, sem nenhum interesse em mim, aliás, desapareceram todos, para outra igreja, para a Mongólia, sei lá e perdi-a definitivamente, outras pessoas ocuparam o banco dela, velhos, senhoras de preto, meia dúzia de escuteiros, inclusivé um ceguinho de bengala que uma velhota amparava, uma ocasião, no Natal, até um corcunda, palavra, desses a quem apetecia passar a palma na marreca para dar sorte
(infelizmente nunca fui capaz de fazer isso, o que, se calhar, explica todos os meus azares)
e ainda hoje espero que a menina, com os seus doze anos intactos, me surja de súbito numa esquina, no supermercado, à saída do banco, me dê o braço e me acompanhe até ao sítio onde moro, impacientando-se com a minha demora em encontrar a chave
– É para hoje ou quê?
a bater o bico do sapato no capacho, mirando-me, impaciente, do seu metro e trinta, com uma pulseira de bolinhas de plástico, uma unha roída e um risco de tinta azul na bochecha, a passear no apartamento com ar proprietário, franzindo-se de desgosto para os meus quadros, o do gatinho a sair de uma bota e o das virgens de túnica, aéreas, de cabelo comprido, a dançarem numa orla de bosque, com um fauno a tocar-lhes flauta, eu que até acho este apartamento bonito, agrada-me o candeeiro do tecto que imita uma lanterna de locomotiva e a cómoda de torcidos e tremidos com a fotografia da Irene
(– Coitada da Irene)
no tampo
(o que será feito da Irene?)
acompanhada por um soldado de barro, a quem falta metade da espingarda, a fazer continência. A menina acabou por sentar-se no sofá de dois lugares a vasculhar as revistas na mesinha de apoio
– Não tens nada que se leia tu?
e desarrumando-as todas
(uma delas escorregou para o chão)
concluiu com desgosto
– Entreténs-te com porcarias
a descruzar as pernas e a cruzá-las ao contrário, mostrando-me a crosta de uma feridita no joelho
– Caí ontem na banheira
enquanto explorava o interior de uma narina com o mindinho e avaliando os resultados do exame após várias torções de saca-rolhas e limpando a unha no veludo a informar-me
– Visto de perto és mais feio do que na igreja
a abrir uma gaveta na esperança de chocolates e a pescar lá de dentro uma lâmpada fundida
– É da tua mesinha de cabeceira, isto?
que não lhe cabia no bolso do casaco
– Pelo sim pelo não vou levá-la
e acabou por deitar fora
– Está fundida
vendo-a rolar em semi-círculo para debaixo do armário enquanto eu apanhava as revistas, o prédio da frente, na janela, afigurou-se-me de súbito feio e triste, com uma senhora de idade na varanda a pendurar fronhas num fio, toda a minha vida, aliás, me parecia de súbito feia e triste, a começar pela Irene que sempre coxeou um bocadinho, numa vocação de trotinete
(pobre Irene)
a menina espiou-me de olhos meio fechados, a avaliar
– És tão velho
e realmente, aos trinta e dois anos, sou velhíssimo, aposto que a batina vermelha de menino do coro já não me serve, os calções não me servem, de certeza que nada me serve, a menina para mim
– Como é que te passou pela cabeça que eu podia apaixonar-me e casar contigo, és tão tonto
eu quieto no meio da sala, de garganta apertada, incapaz de olhá-la, incapaz de dizer fosse o que fosse, vendo-a afastar-se de mim a caminho da porta, a desaparecer no patamar, a descer as escadas a gritar-me, invisível, um
– Palerma
que a sereia de uma ambulância, lá em baixo na rua, felizmente amorteceu.
António Lobo Antunes
(Crónica publicada na VISÃO 1306 de 15 de março)


Lola