quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A queda




A queda


E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.
Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de oiro,

Volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesoiro,
Morro à mingua, de excesso.

Alteio-me na cor à força de quebranto,
Estendo os braços de alma – e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra – em nada me condenso...
Agonias de luz eu viro ainda entanto.
Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
vencer às vezes é o mesmo que tombar –
e como inda sou luz, num grande retrocesso,
em raivas ideais ascendo até ao fim:
olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...
Tombei...
E fico só esmagado sobre mim!...


Mário de Sá-Carneiro
 in 'Dispersão' 


                                            Lola