segunda-feira, 6 de abril de 2020

VENTILADORES: O QUE SÃO?



VENTILADORES: O QUE SÃO?

Nas últimas semanas, todos começámos a ouvir falar de uns aparelhos especiais: os ventiladores.
Para mim, que sou anestesista, o ventilador é o aparelho mais marcante e simbólico da minha profissão. Aliás, é curioso que a minha própria foto de perfil tem um ventilador em miniatura, uma foto que eu coloquei antes de tudo isto acontecer. Ouvir falar agora a toda a hora de ventiladores é algo invulgar e que até me surpreende! Naturalmente, a maior parte das pessoas não sabe muito sobre ventiladores. Pensei então que seria interessante mostrar um pouco dessa pequena-grande máquina que agora entrou nas nossas conversas diárias.
Um ventilador é um aparelho que permite realizar ventilação mecânica, ou seja, permite realizar os movimentos respiratórios, a inspiração e a expiração, num doente que não consegue fazê-lo sozinho – seja porque está anestesiado, seja porque está incapacitado para o fazer em consequência de uma doença.
Claro que, durante um período limitado de tempo, um profissional de saúde treinado pode ventilar o doente manobrando um sistema simples, semelhante a um balão de borracha (a que no nosso dia a dia chamamos “ambu”). Decerto já viram isso acontecer, no cinema ou na vida real, quando se fazem “manobras de ressuscitação” em doentes que delas necessitam. Uma outra alternativa de ventilação ainda mais básica é a chamada “respiração boca-a-boca”. Mas tanto o “ambu” como o “boca-a-boca” são, como todos compreendem, atitudes de emergência que só são possíveis por muito pouco tempo. Quando um doente não respira eficazmente, vamos ter de o ”ligar” a um ventilador.
Embora já existam há várias dezenas de anos, foi a partir dos anos 80 que os ventiladores se tornaram verdadeiros computadores, permitindo programar e gerir com grande precisão uma enorme quantidade de detalhes respiratórios que têm de ser rigorosamente adequados a cada doente e a cada situação. Desses, os 2 detalhes mais fáceis de perceber são: o volume de ar que entra e sai dos pulmões em cada respiração, e a quantidade de respirações por minuto. Mas muitos outros detalhes, mais subtis mas igualmente importantes, têm que ser programados, avaliados e ajustados permanentemente.
Os ventiladores são diariamente utilizados nos Blocos Operatórios por muitos milhares de anestesistas em todo o mundo (somos cerca de 1700 em Portugal), mas também são utilizados nas Unidades de Cuidados Intensivos, que é o assunto que agora nos preocupa a todos. Nessas Unidades trabalham médicos com a especialidade de Medicina Intensiva, especificamente vocacionados e treinados para essa área, mas também médicos de outras especialidades, principalmente de Anestesiologia e de Medicina Interna, que também decidiram dedicar-se à Medicina Intensiva.
E porque estamos então agora sempre a falar de ventiladores? Porque várias situações clínicas e doenças provocam aquilo que se chama uma “insuficiência respiratória”, a tal situação em que o doente é incapaz de respirar de forma suficientemente eficaz. Como se compreende facilmente, uma das situações em que isso pode acontecer são as pneumonias graves: debilitados pelo processo inflamatório, os pulmões não conseguem cumprir a sua função normal. No caso particular da COVID-19, relembremos o que já toda a gente sabe: a grande maioria das pessoas infectadas tem sintomas leves, ou mesmo nenhuns sintomas (assintomáticos), mas uma minoria desenvolve uma pneumonia que frequentemente é grave e exige o uso de um ventilador.
Em Portugal, como aliás em todos os países do mundo, existe uma certa reserva de camas de Cuidados Intensivos (cada uma delas equipada com o respectivo ventilador), o que ao longo dos anos tem permitido fazer face às necessidades que vão surgindo, com maior ou menor dificuldade. Mas esta pandemia foi tão inesperada e avassaladora que o enorme número de doentes com necessidade simultânea de ventilação tem ultrapassado, nuns países mais do que noutros, todas as reservas e previsões.
É por isso que se ouve falar tanto na necessidade de obtermos mais ventiladores. E nas últimas semanas tem havido um enorme esforço nesse sentido: os nossos hospitais praticamente deixaram de fazer cirurgias, de forma a libertarem os ventiladores usados em anestesia para criar novas camas de Cuidados Intensivos; foram feitas encomendas de novos ventiladores – com as naturais dificuldades que decorrem da enorme procura em todo o mundo; várias empresas locais prontificaram-se a fabricar ventiladores novos (o que não é fácil, pois trata-se de máquinas sofisticadas em que não pode haver falhas). Mas é muito importante realçar o seguinte: por muitos ventiladores e novas camas de Cuidados Intensivos que se consiga disponibilizar, nada disso funciona por si só: as máquinas não funcionam sozinhas.
Ainda por cima, gerir as situações clínicas de insuficiência respiratória é tudo menos fácil: implica saber, tempo, paciência, cuidados especializados, dedicação, etc. Só profissionais de saúde experientes e com treino adequado conseguem os melhores resultados. O factor chave é portanto, mais ainda do que os ventiladores, a existência de profissionais de saúde, nomeadamente os que têm experiência nessa área. Refiro-me não só a médicos mas também aos enfermeiros, que são outra peça importantíssima e indispensável para o bom funcionamento dos Cuidados Intensivos, sem esquecer os outros profissionais, como os auxiliares de acção médica e os técnicos de saúde.
A pandemia já provocou vítimas entre nós, e certamente irá provocar bastantes mais. Mas vai havendo alguns sinais de esperança. Nos últimos dias, os números permitem alguma esperança – embora ninguém tenha ainda certezas. Mas creio que nesta crise tem havido um enorme esforço de todos. Os portugueses têm feito o melhor possível para cumprir a quarentena, em condições muitas vezes difíceis. O nosso sistema de saúde tem tentado reorganizar-se rapidamente para responder à pandemia, com as dificuldades naturais que decorrem de muitos anos de pouco investimento. Os profissionais de saúde estão na primeira linha, a dar o máximo, a dar o seu melhor. No fundo, todos estamos a tentar dar o nosso melhor. Essa é a nossa maior força, e a maior razão para a esperança. Juntos vamos conseguir!
1 de abril às 18:15


Porque em tempos de Pandemia (e não só....) a vida, que nos envolve é, muitas vezes, sinónimo de ventilador....


                                                Lola