terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Adeus, Rosa.





Adeus, Rosa.


Dia 272


Adeus, Rosa. Não subestimes os sonhos e aproveita acordada a

luz do dia, enquanto ela quiser povoar as tuas mãos, até ao preciso
momento em que se desmobilizará sobre a tua pele, e nela
se há-de esconder para dormir contigo. Tens coração de pomba,
corpo de cigarra, as tuas pupilas dilatam-se na noite,ficam do
tamanho da noite e, depois de fechares as pálpebras, sentes que
a tua culpa regressa com o mesmo vestido curto da aurora. Sabes agora
que há um amor trágico que se exibe como um fogo molhado, o fogo dos
mortos, a raiz do outono. Dulcíssima e real é a tua sombra, imensamente
tristes as horas roubadas aos teus músculos, aos teus nervos, um feixe
de silêncios penetrados em triunfo por uma intransigente horda de bárbaros
que te exibem os corpos em nome do amor.

Adeus, Rosa. Não sei como terá sido a tua meninice, sequer se
valerá a pena recordá-la. Se um amor real, vivo, livre, permanente, pôde um
dia sorrir na tua boca, se os teus lábios tremeram alguma vez pronunciando
uma hesitante palavra de amor, um desejo, um beijo, um perdão. Talvez
tenha passado já demasiado tempo desde o primeiro sonho, desde o
primeiro príncipe, desde a primeira vez.
Talvez a tua vida dorida, fria, crua, te permita apenas recordar a última vez.
E talvez tu desejes que a próxima vez possa ser também a última. Talvez.
Ainda assim por muito sufocante que seja a realidade, não subestimes
nunca os sonhos. E aproveita, acordada, a luz do dia.

Adeus, Rosa.



JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM
 [Introdução de Robert Simon; 
Posfácio de Teresa Sá Couto 
(Litexa Editora, 2011)]


                                  
                                                Lola