Adeus, Rosa.
Dia 272
Adeus, Rosa. Não subestimes
os sonhos e aproveita acordada a
luz do dia, enquanto ela quiser povoar as tuas
mãos, até ao preciso
momento em que se desmobilizará sobre a tua pele, e
nela
se há-de esconder para dormir contigo. Tens coração
de pomba,
corpo de cigarra, as tuas pupilas dilatam-se na
noite,ficam do
tamanho da noite e, depois de fechares as
pálpebras, sentes que
a tua culpa regressa com o mesmo vestido curto da
aurora. Sabes agora
que há um amor trágico que se exibe como um fogo
molhado, o fogo dos
mortos, a raiz do outono. Dulcíssima e real é a tua
sombra, imensamente
tristes as horas roubadas aos teus músculos, aos
teus nervos, um feixe
de silêncios penetrados em triunfo por uma
intransigente horda de bárbaros
que te exibem os corpos em nome do amor.
Adeus, Rosa. Não sei como terá sido a tua meninice,
sequer se
valerá a pena recordá-la. Se um amor real, vivo,
livre, permanente, pôde um
dia sorrir na tua boca, se os teus lábios tremeram
alguma vez pronunciando
uma hesitante palavra de amor, um desejo, um beijo,
um perdão. Talvez
tenha passado já demasiado tempo desde o primeiro
sonho, desde o
primeiro príncipe, desde a primeira vez.
Talvez a tua vida dorida, fria, crua, te permita
apenas recordar a última vez.
E talvez tu desejes que a próxima vez possa ser
também a última. Talvez.
Ainda assim por muito sufocante que seja a
realidade, não subestimes
nunca os sonhos. E aproveita, acordada, a luz do
dia.
Adeus, Rosa.
JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM
[Introdução de Robert Simon;
[Introdução de Robert Simon;
Posfácio de Teresa Sá Couto
(Litexa Editora, 2011)]
(Litexa Editora, 2011)]
Lola