domingo, 26 de julho de 2020

Acorda. Vem Até ao mar.




Acorda. Vem Até ao mar.

Acorda. Vem
Até ao mar.
As ondas têm
Um vago amar.
Há um calmo fim
Ao pensamento
No mar, assim
Cessado o vento.
A hora salga
De calma a dor…
Uma e outra alga
Doem-lhe à flor…
Vem tão comigo
Por tal caminho
Que eu contigo
Me creia sozinho…
Tanto pertenças
Ao meu pensar
Que as duas presenças -
Tua e do mar -
Não sejam mais
Que a calma triste
Sem nexo ou ais
Que em mim existe…
Ah, desejar!
Amar, sofrer!
Eu, tu e o mar…
Como dói ser!
Vem ajudar
Meu pensamento
A dispersar
P’lo mar sem vento.


Fernando Pessoa,
2-10-1915
In "Poesia 1902-1917"




                                                Lola