quarta-feira, 14 de março de 2018

Palavras interditas






AS PALAVRAS INTERDITAS 



Os navios existem e existe o teu rosto 

encostado ao rosto dos navios. 
Sem nenhum destino flutuam nas cidades, 
partem no vento, regressam nos rios. 

Na areia branca, onde o tempo começa, 
uma criança passa de costas para o mar. 
Anoitece. Não há dúvida, anoitece. 
É preciso partir, é preciso ficar. 

Os hospitais cobrem-se de cinza. 
Ondas de sombra quebram nas esquinas. 
Amo-te... E abrem-se janelas 
mostrando a brancura das cortinas. 

As palavras que te envio são interditas 
até, meu amor, pelo halo das searas; 
se alguma regressasse, nem já reconhecia 
o teu nome nas minhas curvas claras. 

Dói-me esta água, este ar que se respira, 
dói-me esta solidão de pedra escura, 
e estas mãos noturnas onde aperto 
os meus dias quebrados na cintura. 

E a noite cresce apaixonadamente. 
Nas suas margens vivas, desenhadas, 
cada homem tem apenas para dar 
um horizonte de cidades bombardeadas. 

EUGÉNIO DE ANDRADE, in AS PALAVRAS INTERDITAS (1951),
 in POESIA DE EUGÉNIO DE ANDRADE
 (Modo de ler, 2011)



                                           Lola