Cristiano Ronaldo
Aquele golo
O livre de Cristiano Ronaldo foi um jogo à parte. Foi um
livre como música. Tocada por Miles Davis. Ou um gatafunho de Picasso a
completar a única pomba do mundo.
Foi estranho o que aconteceu ao tempo durante o livre
de Cristiano Ronaldo. Parou. Mas abriu só o suficiente para entrar a bola na
baliza.
Foi como observar um pensamento ou um sonho de um
rapaz pequeno. Estava lá a eternidade. Estava lá a ilha da Madeira. O
guarda-redes ficou preso à trajectória. Todo o mundo parou. Só a bola foi
autorizada a mexer-se.
Visto em directo, o golo de Cristiano Ronaldo parecia
já uma repetição, em câmara lenta, de um livre muito antigo que se estuda nas
universidades muito lá para o futuro, quando já estivermos todos mortos.
A bola seguiu o caminho desejado em todos os nossos
inconscientes, curvando como a linha feita por um dedo a escrever o nome num
vidro embaciado.
O golo interrompeu o jogo que era um vaivém de
esforços e sortes e vinganças. Disse que estava farto de pressas e de
incertezas e de medos. Fez com que um empate soubesse a derrota, fez com que um
empate soubesse a vitória.
O livre de Cristiano Ronaldo foi um jogo à parte. Foi
jogado contra a ideia que contra a Espanha ele não marcava golos. Foi jogado
contra a ideia que ele já não era quem tinha sido. Foi jogado contra a noção
que à Espanha ninguém marca três golos.
Foi um livre como música. Tocada por Miles Davis. Ou
um gatafunho de Picasso a completar a única pomba do mundo. Foi um golo para
espantar toda a gente menos o próprio marcador. Por uma vez a coisa correu como
ele quis: a vontade e a realidade desistiram de andar à pancada uma com a
outra. Assim se abriu uma brecha no tempo.
16 de Junho de 2018, 15:14
Miguel Esteves Cardoso
Obrigado, Capitão!
Lola