sexta-feira, 8 de junho de 2018

Fui tão feliz no sonho...




Fui tão feliz no sonho...


Ora muito bem, como se eu não fosse um homem que costuma dormir de noite e consentir em sonhos (…) [muitas coisas irreais]. Com efeito, quantas vezes me acontece que, durante o repouso nocturno, me deixo persuadir de coisas tão habituais como que estou aqui, com o roupão vestido, sentado à lareira, quando todavia estou estendido na cama e despido! Mas agora, observo este papel seguramente com os olhos abertos, esta cabeça que movo não está a dormir, voluntária e conscientemente estendo esta mão e sinto-a: o que acontece quando se dorme não parece tão distinto. Como se não me recordasse de já ter sido enganado em sonhos por pensamentos semelhantes! Por isso, se reflicto mais atentamente, vejo com clareza que vigília e sonho nunca se podem distinguir por sinais seguros, o que me espanta (…).

René Descartes
Meditações da Filosofia Primeira


Era já noite ida...de chuva muito pouco consentida mas que teimava em não abrandar um minuto que fosse!
Como em dias que terminam chorando, Rita adormeceu sem programa previamente traçado, pois como se sabe, os sonhos entram sem avisar, muitas vezes com uma candura que a ela muito surpreendiam.
E nessa noite, ningúem mais viveu um sonho bonito como o dela. 
Porquê?
Tudo, porque encontrara Pedro com o seu olhar esmeradamente meigo e a sua incontornável ternura algures num momento sem espaço nem tempo definido!
Pedro aportara à sua vida, na última década, uma esperança docemente perfumada sem, no entanto, nunca terem falado abertamente disso.
Pedro, pensava Rita, deveria adivinhar como era importante na sua vida...mas bastava-lhes uma boa conversa a dois, umas risadas cúmplices, um olhar desinteressadamente feliz, um abraço de corpo inteiro como só Pedro sabia oferecer! E fora tão bom o tempo que, por via de profissões e opções comuns, Rita e Pedro partilharam o mesmo espaço...
Rita já não via Pedro há três anos mas esse facto não encurtara, de modo algum, a sua estreita relação afectivamente próxima com aquele ser de excelência que, um dia sem saber bem porquê, cruzou com ela preenchendo o seu EU de uma tranquilidade que nem sempre a deixaram envolver o seu percurso de vida.
Pedro não era, nunca fora seu! 
Mas será que, algum dia, Pedro fora de alguém?
Não o sabia mas tinha uma convicção inabalável...nunca ninguém gostara tanto de Pedro como ela!
Imaginava-lhe o rosto mais, naturalmente, envelhecido! Eram quase da mesma idade e por isso, de vez em quando, perdiam-se em referências musicais e outras que eram. irremediavelmente, comuns às suas adolescências...e sorriam, atrevidamente, juntos.
Nessa noite...
...o sonho não foi diferente! 
Dialogaram, esqueceram-se num infinito olhar, sentiram-se num profundo e incomensurável abraço que ninguém  mais saberia imitar tão indizivel era a sua ligação encantadoramente fusional!
Pedro era e continuaria a ser a sua grande serenidade existencial mesmo que, de vez em quando, chegasse,  apenas, abraçadinho ao sonho...
... numa noite em que as lágrimas de saudade deslizam pela vidraça de um quarto de uma cidade que é (somente) sua!


Até quando, my dear?



Se, na Filosofia cartesiana, o sonho é um sustentador da dúvida e um factor impeditivo de chegar à verdade, na minha existência afortunada e profundamente revestida e revisitada, o sonho é um enorme possibilitador de encontros com o outro eu...

Quem ?


Tu, my dear!



                                            Lola