sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Todos os homens são maricas



Todos os homens são maricas quando estão com gripe

Terço na mão 
Uma botija Chá de limão 
Zaragatoas 

Vinho com mel 
Três aspirinas 
Creme na pele 
Dói-me a garganta 
Chamo a mulher 
Ai Lurdes, Lurdes 
Que vou morrer 
Mede-me a febre 
Olha-me a goela 
Cala os miúdos 
Fecha a janela 
Não quero canja 
Nem a salada 
Ai Lurdes, Lurdes 
Não vales nada 
Se tu sonhasses 
Como me sinto 
Já vejo a morte 
Nunca te minto 
Já vejo o inferno 
Chamas diabos 
Anjos estranhos 
Cornos e rabos 
Tigres sem listas 
Bodes de tranças 
Choros de corujas 
Risos de grilo 
Ai Lurdes, Lurdes 
Que foi aquilo 
Não é a chuva 
No meu postigo 
Ai Lurdes, Lurdes 
Fica comigo 
Não é o vento 
A cirandar 
Nem são as vozes 
Que vêm do mar 
Não é o pingo 
De uma torneira 
Põe-me a santinha 
À cabeceira 
Compõe-me a colcha 
Fala ao prior 
Pousa o Jesus 
No cobertor 
Chama o doutor 
Passa a chamada 
Ai Lurdes, Lurdes 
Nem dás por nada 
Faz-me tisanas 
E pão-de-ló 
Não te levantes 
Que fico só 
Aqui sozinho 
A apodrecer 
Ai Lurdes, Lurdes 
Que vou morrer.
-

António Lobo Antunes



                                            Lola