sábado, 11 de novembro de 2017

O que é a Liberdade?




O que é a Liberdade?


Meu Pai, o que é a Liberdade?

- Meu pai, o que é a liberdade?

- É o seu rosto, meu filho, 
o seu jeito de indagar 

o mundo a pedir guarida 
no brilho do seu olhar. 
A liberdade, meu filho, 
é o próprio rosto da vida 
que a vida quis desvendar. 
É sua irmã numa escada 
iniciada há milênios 
em direção ao amor, 
seu corpo feito de nuvens 
carne, sal, desejo, cálcio 
e fundamentos de dor. 
A liberdade, meu filho, 
é o próprio rosto do amor.



- Meu pai, o que é a liberdade?
A mão limpa, o copo d’água 
na mesa qual num altar 
aberto ao homem que passa 
com o vento verde do mar. 
É o ato simples de amar 
o amigo, o vinho, o silêncio 
da mulher olhando a tarde 
- laranja cortada ao meio, 
tremor de barco que parte, 
esto de crina sem freio.


- Meu pai, o que é a liberdade?
É um homem morto na cruz 
por ele próprio plantada, 
é a luz que sua morte expande 
pontuda como uma espada. 
É Cuauhtemoc a criar 
sobre o brasileiro que o mata 
uma rosa de ouro e prata 
para altivez mexicana. 
São quatro cavalos brancos 
quatro bússolas de sangue 
na praça de Vila Rica 
e mais Felipe dos Santos 
de pé a cuspir nos mantos 
do medo que a morte indica. 
É a blusa aberta do povo 
bandeira branca atirada 
jardim de estrelas de sangue 
do céu de maio tombadas 
dentro da noite goyesca. 
É a guilhotina madura 
cortando o espanto e o terror 
sem cortar a luz e o canto 
de uma lágrima de amor. 
É a branca barba de Karl 
a se misturar com a neve 
de Londres fria e sem lã, 
seu coração sobre as fábricas 
qual gigantesca maçã. 
É Van Gogh e sua tortura 
de viver num quarto em Arles 
com o sol preso em sua pintura. 
É o longo verso de Whitman 
fornalha descomunal 
cozendo o barro da Terra 
para o tempo industrial. 
É Federico em Granada. 
É o homem morto na cruz 
por ele próprio plantada 
e a luz que sua morte expande 
pontuda como uma espada.

- Meu pai, o que é a liberdade?
A liberdade, meu filho, 
é coisa que assusta: 
visão terrível (que luta!) 
da vida contra o destino 
traçado de ponta a ponta 
como já contada conta 
pelo som dos altos sinos. 
É o homem amigo da morte 
Por querer demais a vida 
- a vida nunca podrida. 
É sonho findo em desgraça 
desta alma que, combalida, 
deixou suas penas de graça 
na grade em que foi ferida... 
a liberdade, meu filho, 
é a realidade do fogo 
do meu rosto quando eu ardo 
na imensa noite a buscar 
a luz que pede guarida 
nas trevas do meu olhar.


Moacyr Félix, in 'Canto para As Transformações do Homem'


                                          Lola