Mulher antes de Abril
O
retrato da mulher durante o Estado Novo
Mãe, esposa e dona-de-casa. Eis o
retrato da mulher nos anos que antecederam a revolução de Abril.
Em Portugal, o Estado Novo
esforçou-se por conservar a mulher no seu posto tradicional, como mãe,
dona-de-casa e em quase tudo submissa ao marido. A Constituição de 1933
estabeleceu o princípio da Igualdade entre cidadãos perante a Lei, mas com
algumas excepções. No documento constavam referências às "diferenças
resultantes da sua [mulher] natureza e do bem da família". A mulher
via-se, assim, relegada para um plano secundário na família e na sociedade em
geral.
Luísa Neto é docente na Faculdade
de Direito da Universidade do Porto. Esta doutorada em Direitos Fundamentais
explica qual a situação da mulher perante a Lei, durante a ditadura: "A
constituição de 1933, que era a constituição que vigorava antes da Revolução de
25 de Abril de 1974, não estabelecia efectivamente o princípio da igualdade,
pelo menos material. Formalmente estabelecia o princípio da igualdade, mas na
prática ele não tinha grande vigência".
"A mulher praticamente não
tinha direitos. Se se tratasse de uma mulher casada, os direitos eram exercidos
pelo chefe de família. Aliás, a expressão do pai de família, que normalmente
era benfiquista, deriva daí e do entendimento que era voz comum nessa
altura", realça.
A lei portuguesa designava o
marido como chefe de família, donde resultava uma série de incapacidades para a
mulher casada, contrariamente à mulher solteira, que era considerada cidadã de
plenos direitos: "a mulher não tinha direito de voto, a mulher não tinha
possibilidade de exercer nenhum cargo político, e, mesmo em termos da família,
a mulher não tinha os mesmos direitos na educação dos filhos", diz a
magistrada.
Nesta altura, a Lei atribuía à
mulher casada uma função específica: o governo doméstico, o que se traduzia
pela imposição dos trabalhos domésticos como obrigação. E os poderes especiais
do pai e da mãe em relação ao filho resultavam na sobrevalorização do pai e
subalternidade da mãe, que, como recomendava a lei, apenas devia ser «ouvida».
Outro dos problemas que a mulher
enfrentava na altura acontecia nas situações de reconstituição da família. O
divórcio era proibido, devido ao acordo estabelecido com a Igreja Católica na
Concordata de 1944, pelo que todas as crianças nascidas de uma nova relação,
posterior ao primeiro casamento, eram consideradas ilegítimas. E havia duas
alternativas no acto do registo: a mulher ou dava à criança o nome do marido
anterior ou assumia o estatuto de "mãe incógnita". O que não podia
era dar o seu nome e o do marido actual.
Trabalho só para
homens
Também em relação ao trabalho, a
mulher deparava frequentemente com grandes limitações. E o acesso a
determinadas profissões era-lhe completamente vedado, como nos diz Luísa Neto:
"no que diz respeito à questão profissional, a mulher não tinha direito de
acesso a determinados lugares que se considerava que deviam ser ocupados por
homens". A magistratura, a diplomacia e a política são apenas alguns dos
exemplos de sectores profissionais a que a mulher não podia aceder.
Maria José Magalhães é hoje assistente na Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação da Universidade do Porto, onde concluiu o seu mestrado em Ciências da
Educação. Realiza investigação sobre a questão do género e participa em alguns
grupos e publicações feministas. Sobre o tema, escreveu o livro "Movimento
Feminista e Educação - Portugal, décadas de 70 e 80". E descreve assim a
situação da mulher naquela altura: "Antes do 25 de Abril, muitas mulheres
não podiam casar com quem queriam, as mulheres casadas não podiam mexer na sua
propriedade, as enfermeiras não podiam casar, as professoras não podiam casar
com qualquer pessoa: tinham que pedir autorização para casar, e saía em Diário
da República a autorização para ela casar com o senhor fulano de tal".
Além disso, naquela altura estava
escrito em decreto-lei que uma professora só podia casar com um homem que
tivesse um vencimento superior ao dela. "Uma mulher casada não podia ir
para o estrangeiro sem autorização do marido, não podia trabalhar sem
autorização do marido. O marido podia chegar a uma empresa ou estabelecimento
público e dizer: eu não autorizo a minha esposa a trabalhar. E ela tinha que
vir embora, tinha que ser despedida", contou ao JPN Maria José Magalhães.
In JPN, UP,Anabela Couto
Publicado: 26.04.2005
Lola